Mário Tomé pede à juventude que não tema e use o pensamento crítico
O pretexto era o aniversário da Revolução, mas a conversa com centenas de alunos de Pombal descambou para outras guerras
Durante a conversa, em Pombal, há cravos vermelhos na mesa. E há entre os jovens muita curiosidade
Do fundo da sala, Sofia Simão, aluna do 11.º ano, levanta o braço e dispara a pergunta: “Que diferenças encontra na juventude de hoje, em relação àquela que se revoltou contra a guerra colonial?” Mário Tomé, 77 anos, capitão de Abril, está sentado na mesa de honra do anfiteatro da Escola Secundária de Pombal, a convite de um aluno. É terça-feira, véspera do 25 de Abril, e 44 anos depois do dia “claro, inteiro e limpo”, responde de rajada, com o melhor sotaque alentejano: “Juventude é juventude, em qualquer época! É irreverência, às vezes indisciplinada. E tudo o que precisa é ter sentido crítico.”
O major, retirado das lides políticas desde o fim da UDP, insistiu durante duas horas (com um auditório à pinha) para que a juventude não se resigne, no tempo que corre. “Jovens do meu país, não temais! Preparai-vos”, incitou, ele que combatendo o símbolo máximo do capitalismo tão identificado com os Estados Unidos recorre ao cinema americano com toda a frequência para atestar a realidade. No auditório estão mais de cem alunos, entre os 15 e os 18 anos, que usaram a hora de almoço para ouvir falar da Revolução dos Cravos.
Desta vez, Mário Tomé está sentado. Há 44 anos “estava de pé” – há de responder a um aluno, quando este lhe pergunta, timidamente, “em que posição estava no 25 de Abril”. A sala ri-se em uníssono, o que sucede amiúde, já que Mário Tomé continua de humor refinado. “E mais perguntas? Prefiro que me critiquem e que me interpelem do que eu estar aqui a falar.” De resto, o país sabe que a 25 de abril de 1974 era ainda o capitão Mário Tomé, que à distância – em Nampula – haveria de ajudar a mudar o rumo da história em Portugal.
Durante a conversa, em Pombal, há cravos vermelhos na mesa. Não tarda cumpre-se mais um aniversário da Revolução, há entre os jovens muita curiosidade. “Há pessoas que dizem que devíamos ter outro Salazar; outras dizem que era preciso outro 25 de Abril. O que acha disso?”, pergunta uma aluna, já a meio da sessão, quando Mário Tomé já falara de tanta coisa que privou os homens da liberdade, como a “hedionda Primeira Grande Guerra, a Segunda Guerra Mundial ou a (nossa) Guerra Colonial”.
“Sabes, Salazar representa todo o contrário do que temos estado aqui a conversar. Além de vedar, reprimia brutalmente quem não estivesse de acordo com ele. Levou-nos para uma guerra colonial quando podia tê-la evitado. Os grandes dirigentes dos movimentos de libertação fizeram tudo para garantir um acordo de independência”, explicou. Na resposta sobre “um outro 25 de Abril”, Mário Tomé é menos explícito. Lembra que “a democracia é pouca, ainda. Eu faço o que quero e tal, posso dizer o que penso, mas… o Serviço Nacional de Saúde ainda não tem resposta adequada, a escola também não”, como quem diz que sim, que ainda falta cumprir Abril.
A democracia permite contestar isso e exigir mais e mais. Há dinheiro para os bancos… não há dinheiro para outras coisas, porque é que eu tenho de estar a pagar isso?”, questiona ele, agora. Aos poucos, as poucas professoras presentes na sala vão soltando perguntas também. “São tão proletárias como eram os operários de fato-macaco, antigamente”, lembra o major, que não se cansa de enfatizar o importante papel que têm na sociedade, o papel das escolas na formação de jovens como aqueles. “A escola é – ou deveria ser – o agente principal de formação de espírito crítico. Porque é ela que proporciona o saber e a troca de experiência. E sem espírito crítico não há conhecimento. A escola deve preparar cidadãos e cidadãs para serem agentes de transformação”, conclui.
E lembra então como a juventude dos anos 1960 e 70 foi fundamental na linha de ataque ao regime fascista, pela rejeição da Guerra Colonial. Às tantas, um rapaz quer saber o que pensa do hipotético regresso do serviço militar obrigatório. Mário Tomé sabe que há quem o queira impor outra vez, e deixa o futuro nas mãos dos jovens. Pede-lhes que aprendam a interpretar. “Quem é que aqui já viu 2001 – Odisseia no Espaço? Ninguém? É fundamental verem. Não há nada melhor para perceber os Estados Unidos do que ver uns bons filmes americanos.” Nessa altura a conversa descamba para outras guerras: “Quando vejo a Rússia contra os Estados Unidos, o Putin contra o Trump, eu não acredito, é tudo uma fantochada. Há interesses, claro que há, mas não vai ao ponto de confrontos. Porque Putin e Trump equivalem-se um ao outro, e agora veio o Macron a pôr-se em bicos de pés. Esta gente é capaz de tudo. Até de matar a mãe, se preciso for.”