Diário de Notícias

Banquete, beijos e um discurso em inglês no adeus de Macron aos EUA

Presidente francês encerra hoje visita com um discurso diante das duas câmaras do Congresso. Ontem, antes do jantar de Estado na Casa Branca, Macron e Trump discutiram o Irão, com o francês a propor um novo acordo

- HELENA TECEDEIRO

A 25 de abril de 1960, o general Charles De Gaulle subia ao palanque diante das duas câmaras do Congresso americano. Em plena Guerra Fria, o presidente francês foi interrompi­do cinco vezes pelos aplausos num discurso em que garantiu, em francês: “Americanos, fiquem a saber! No grande jogo que agora começa, nada conta mais para França do que a razão, a resolução, a amizade do grande povo dos EUA.Vim aqui para vo-lo dizer.” Passados 58 anos, hojeéa vez de Emmanuel Macron se dirigir aos parlamenta­res americanos reunidos numa rara sessão conjunta no Capitólio. O discurso, desta vez, será em inglês, deve durar 30 minutos e enaltecer a democracia.

No último dia de uma visita que começou na segunda-feira à tarde, Macron segue hoje uma velha tradição dos presidente­s franceses. Todos os chefes do Estado da V República falaram no Congresso durante as visitas aos EUA, com exceção de François Hollande. Em 2014, o antecessor de Macron alegou“incompatib­ilidade de agendas” para explicar porque não incluíra este momento alto na visita.

Mas nem todos os líderes franceses foram recebidos como heróis como De Gaulle. Em 1970, George Pompidou ouviu manifestan­tes pró-Israel gritar“Lafayette sim, Pompidou não” junto à vedação da Casa Branca. Referindo o militar francês que combateu na guerra de independên­cia dos EUA ao lado dos americanos contra os britânicos, os manifestan­tes protestava­m contra a venda de caças Mirage franceses à Líbia. No Congresso, Pompidou deixou um apelo para que a América não entrasse num conflito aberto com a URSS. Seis anos mais tarde, foi a bordo de um Concorde queValéry Giscard d’Estaing chegou aWashingto­n, dias antes da inauguraçã­o da rota aérea entre Paris eWashingto­n. Diante do Congresso e num inglês que o TheWashing­ton Post classifica­ria de “compreensí­vel apesar do sotaque”, Giscard defendeu a sociedade liberal, enquanto insistia numa détente entre EUA e URSS.

A União Soviética dominaria ainda o discurso do socialista François Mitterrand, recebido em 1984 pelo republican­o Ronald Reagan. Terminada a Guerra Fria, Jacques Chirac foi ao Congresso em 1996 manifestar o desejo da França – retirada da estrutura militar da NATO em 1966 por De Gaulle – de reassumir uma posição de destaque na Aliança Atlântica. Tal só aconteceri­a oficialmen­te com o seu sucessor, Ni- colas Sarkozy, em 2009. Dois anos antes, e só seis meses após ter sido eleito, Sarkozy foi a Washington num esforço de aproximaçã­o aos EUA, após a tensão provocada pela recusa francesa em aprovar na ONU a invasão do Iraque em 2003.

Eleito há quase um ano num escrutínio que deixou de fora os candidatos dos partidos tradiciona­is – a sua rival na segunda volta, Marine LePen,éa líder da Frente Nacional, de extrema-direita –, Macron espera hoje seduzir os eleitos americanos como seduziu os seus compatriot­as e a Europa. Aos 40 anos e apesar de alguma contestaçã­o interna, o presidente francês tem tentado impor-se como o líder do continente, sobretudo com a chanceler alemã, Angela Merkel, a lutar durante meses para formar governo.

Macron começou a visita aos EUA no Memorial a Lincoln, onde saudou os turistas com a mulher, Brigitte. O casal presidenci­al foi depois recebido por Donald Trump e pela primeira-dama Melania na Casa Branca, onde plantaram um rebento de carvalho nascido no local de uma batalha da I Guerra Mundial na qual morreram 9000 americanos e trazido por Macron para oferecer ao líder americano. Dali seguiram para Mount Vernon, a propriedad­e de George Washington, o primeiro presidente dos EUA, para um jantar privado.

Ontem foi dia de os Macron participar­em numa cerimónia oficial nos jardins da Casa Branca, parte integrante de uma visita de Estado. Tal como o banquete que os Trump ofereceram à noite. Assuntos sérios A tarde, essa, foi dedicada a assuntos sérios. Enquanto as primeiras-damas – ambas vestidas de branco – visitavam a National Gallery of Art, os dois presidente­s tinham uma reunião de trabalho. E, se o francês conseguiu apanhar de surpresa o americano à chegada ao cumpriment­á-lo com dois beijinhos, a proximidad­e entre os dois não parece ter feito Trump mudar de opinião sobre o acordo do nuclear iraniano. “Não vamos permitir que certas coisas continuem a acontecer. O acordo com o Irão é um desastre. Estão a testar mísseis. O que é isto?”, exclamou o presidente americano na Sala Oval. E ameaçou que se os iranianos retomarem o programa nuclear após a eventual saída dos EUA do acordo “vão ter problemas maiores do que alguma vez tiveram”.

Na conferênci­a conjunta após um encontro de trabalho, Trump recordou que França e EUA concordam no essencial: que o Irão não pode construir armas nucleares. Macron, numa intervençã­o em francês, explicou que, se não tem as mesmas “posições de partida” que Trump e nenhum dos dois é homem para mudar de opinião “ao sabor do vento”, após “discussões francas” ambos concordam que “é tempo de trabalhar num novo acordo”. Apesar de Macron ter defendido o atual acordo como a base possível para já.

Trump tem até 12 de maio para decidir se retira os EUA do acordo. Antes disso, já no dia 27, recebe Angela Merkel na Casa Branca – mas o presidente americano já provou ontem que dificilmen­te mudará de ideias com uma simples conversa.

Macron fala no Congresso 58 anos exatos após discurso de De Gaulle. Intervençã­o deve durar 30 minutos e ser em inglês

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Brigitte Macron, Melania Trump, Emmanuel Macron e Donald Trump saúdam os presentes na receção a partir da varanda da Casa Branca

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