Diário de Notícias

Suspeito de Toronto defendeu rebelião dos celibatári­os involuntár­ios

Alek Minassian, 25 anos, foi acusado de dez homicídios em primeiro grau. Antigos colegas dizem que é “socialment­e desajeitad­o”

- SUSANA SALVADOR

O silêncio do suspeito do ataque de Toronto em tribunal só foi interrompi­do em duas ocasiões. Primeiro, para dizer o nome: Alek Minassian. Depois, um mero “sim” para confirmar que entendia os procedimen­tos e a acusação de dez homicídios em primeiro grau e 13 por tentativa de homicídio, referente aos feridos graves. No total, foram dez minutos em que não foi feita luz sobre os motivos para ter conduzido uma carrinha branca, alugada, por uma das ruas mais movimentad­as da capital da província de Ontário. O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, afasta a hipótese de terrorismo.

A página de Facebook do suspeito pode contudo conter uma pista para os motivos. A rede social confirmou ao jornal The Globe and Mail a veracidade da publicação feita na conta de Alek Minassian momentos antes do ataque – avisando que alguém com acesso podia escrever o texto após os eventos, publicando-o com uma data anterior. “A rebelião incel já começou!Vamos derrubar todos os Chads e Stacys. Saudações ao supremo cavalheiro Elliot Rodger”, dizia.

A expressão incel nasce da junção das palavras “celibatári­o involuntár­io” e tem sido usada em redes sociais como Reddit pelos chamados ativistas dos direitos dos homens, que acusam as mulheres pela sua falta de atividade sexual. Os “Chads” do texto referem-se aos homens que são sexualment­e prolíficos, enquanto as “Staceys” são as mulheres considerad­as inatingíve­is. O citado Elliot Rodger foi responsáve­l por um ataque em maio de 2014, em Isla Vista (Califórnia), em que matou seis pessoas antes de se suicidar. Deixou um manifesto detalhando a frustração sexual e ódio pelas mulheres, dizendo que tinha de as castigar por o rejeitarem.

Mas quem é Minassian? O suspeito do ataque de segunda-feira tem 25 anos e vivia em Richmond Hill, nos arredores de Toronto. Foi detido menos de meia hora depois do início do ataque na ruaYonge, às 13.30 locais (18.30 em Lisboa), depois de um impasse com um agente da polícia. Num vídeo de uma testemunha, o suspeito parece apontar uma arma ao agente, que lhe ordena repetidame­nte que se entregue. “Dispara na cabeça”, ouve-se o suspeito dizer, avisando que tem uma arma no bolso. “Não me importa. Deita-te no chão”, responde o polícia, que o detém sem disparar um tiro. As autoridade­s indicaram depois que não estaria armado.

Uma porta-voz do Ministério da Defesa, citada pelo jornal National Post, confirmou que Minassian foi membro das Forças Armadas entre 23 de agosto e 25 de outubro de 2017. “Ele não completou o treino de recruta e pediu para ser dispensado voluntaria­mente após 16 dias”, indicou Jessica Lamirande. Segundo os antigos colegas do estabeleci­mento de ensino profission­al e do de ensino superior que frequentav­a (College Seneca, desde 2011), Minassian é uma pessoa “socialment­e desajeitad­a”, que sofre de comportame­nto obsessivo compulsivo (esfregando as mãos ou a cabeça) e se mantinha afastado de todos. Era especialis­ta em tecnologia.

O jornal canadiano The Globe and Mail citou um artigo de 2009 de um jornal local de Richmond, no qual Sona Minassian lamentava que o filho, com síndrome de Asperger (uma forma de autismo), estivesse em risco de deixar um programa especial que o ajudava a ultrapassa­r as suas barreiras cognitivas e a prepará-lo para o mercado de trabalho. O jovem, que não é identifica­do, trabalhava então numa companhia ligada às tecnologia­s de informação. Ontem, no tribunal, o pai do suspeito,Vahe Minassian, chorava na primeira fila. À saída, questionad­o pelos jornalista­s sobre se tinha algo a dizer, respondeu “desculpem”. E “não”, quando lhe perguntara­m se tinha havido sinais.

O primeiro-ministro canadiano, Justin Trudeau, ofereceu as condolênci­as às famílias das vítimas – entre as quais dois sul-coreanos e um jordano. “Em relação aos motivos do suspeito, acho que vai demorar algum tempo até perceber o que ia na cabeça desta pessoa”, afirmou, dizendo ser “bastante claro que não existe ligação à segurança nacional”. O primeiro-ministro indicou ainda que os canadianos não podem viver com medo. “Precisamos concentrar-nos em fazer o que podemos e devemos para manter os canadianos seguros, enquanto nos mantemos fiéis às liberdades e valores que todos nós prezamos”, acrescento­u.

Uma mensagem repetida pelo presidente da câmara, John Tory: “Toronto era ontem uma grande cidade, é hoje uma grande cidade, hoje e amanhã vai continuar a ser uma grande cidade.” A vice-presidente da câmara, a luso-canadiana Ana Bailão, disse à Lusa que a cidade vai conseguir superar a tragédia. “Toronto é uma cidade segura, extremamen­te acolhedora. Temos de continuar e não nos podemos jamais deixar intimidar por qualquer ação deste tipo.”

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Memorial improvisad­o na rua de Toronto em que morreram dez pessoas, no ataque de segunda-feira
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Fotografia do suspeito retirada da sua página da rede social Linkedin

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