O povo do kimchi
Não imagino o almoço da cimeira intercoreana de sexta-feira em Panmunjon sem kimchi, a couve branca fermentada e com pasta de malagueta vermelha presente em todas as refeições. Posso garanti-lo baseado em três viagens à Coreia do Sul e em inúmeras conversas com coreanos a viver em Portugal. Se o
kimchi não surge na ementa que está a ser divulgada para o encontro de Kim e Moon a única explicação é ser um acompanhamento tão obrigatório para o povo da península, seja a norte ou a sul do paralelo 38, que mencioná-lo é desnecessário. Muito une os coreanos e certamente a adição ao
kimchi fá-lo, mesmo que menos forte entre os jovens, a quem os tempos modernos habituaram a que no inverno não falte vegetais. São hoje 50 milhões os sul-coreanos, mais 25 milhões os norte-coreanos. Some-se os três milhões que vivem na China, acima do rio Yalu, e ainda os quatro milhões da diáspora (sobretudo nos Estados Unidos) e temos uma nação de 82 milhões de pessoas. Com origens no interior da Ásia, como revela um xamanisno original que cedeu ao budismo e depois ao cristianismo, é um povo distinto dos chineses e dos japoneses. A sua língua não tem qualquer parentesco com a dos dois vizinhos, que ao longo da história chegaram ambos a dominar a península. E mesmo os 73 anos de divisão, com base em critérios ideológicos, não destruíram essa identidade comum, ainda que uma reunificação a médio prazo seja improvável, tal é hoje o fosso de desenvolvimento entre um Norte oficialmente comunista mas na verdade submetido a uma dinastia ultranacionalista e um Sul democrático capaz de constar entre as potências económicas. Unidos pois pelo kimchi, os dois líderes falarão de paz. Que se enterre de vez a guerra de 1950-1953 e se resolva a questão das armas nucleares. Não sou grande otimista sobre a sinceridade de Kim, tirando que acredito que tudo fará para perpetuar o regime fundado pelo avô a seguir à Segunda Guerra Mundial. Mas sei que se os mísseis assustam, também preocupa os vizinhos, e não só, que um dia os coreanos se entendam a sério e se tornem uma grande potência.