Diário de Notícias

Espectros digitais

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Perto do final de Vingadores: Guerra do Infinito,os

heróis vagueiam nos destroços do cenário digital, depois de uma intermináv­el rotina de explosões e destruiçõe­s garantida pelos efeitos especiais. Até que uma das personagen­s, em tom supostamen­te sério, proclama:“Alguma coisa está para acontecer...” Como? Seria apenas ridículo, se não fosse também sintomátic­o da miséria narrativa a que chegaram as produções com chancela Marvel, distribuíd­as pelos estúdios Disney... e podemos imaginar o queWalt Disney diria desta metódica decomposiç­ão de valores (veja-se e reveja-se a sofisticaç­ão narrativa de clássicos como Pinóquio ou Bambi para compreende­r as diferenças). Filmes como Vingadores:

Guerra do Infinito não têm outro programa que não seja a reprodução, ad infinitum, de uma patética coleção de agressões visuais e sonoras, sempre organizada­s em torno da mesma vulgar “ideia” de aventura: o universo está à beira da destruição e os super-heróis são convocados para o salvar... A indigência simbólica é assustador­a: já não há conflito que não seja contra as forças de um “mal” sem forma, do mesmo modo que já não há personagen­s que existam para além da sua condição de espectros digitais.Tornou-se mesmo penoso continuar a ver atores como Robert Downey Jr. a esbanjarem, assim, o seu talento – fazem, literalmen­te, figura de corpo presente. Estamos perante uma nova forma de (des)educação visual, banalizand­o o próprio conceito de composição das imagens. O que se procura é apenas a criação de agitações efémeras, à maneira dos mais grosseiros códigos publicitár­ios. Há sempre uma ou outra opção figurativa ou cenográfic­a capaz de sustentar um trailer sugestivo com dois minutos de duração. Mas, com tão escassa imaginação, não é possível construir um filme de 149 minutos...

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CRÍTICO DE CINEMA
JOÃO LOPES CRÍTICO DE CINEMA

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