Diário de Notícias

Maria by Callas, a ópera de uma vida

Documentár­io de Tom Volf é olhar íntimo sobre o mito, através do seu arquivo

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INÊS N. LOURENÇO “Há duas pessoas em mim. Eu gostava de ser Maria, mas há a Callas de quem tenho de estar à altura.” Eis o conflito interior da mais famosa soprano do mundo, a servir de mote para a viagem biográfica que nos propõe o documentár­io Maria by Callas, que se estreia hoje.

A voz da prima donna greco-americana é o fio condutor da história que Tom Volf (fotógrafo debutante na realização) quer contar: aquela que nos dá, ao mesmo tempo, a mulher no seu foro privado e a diva que fez disparar muitas máquinas fotográfic­as, sempre perseguida pela curiosidad­e da imprensa internacio­nal.

Em suma, o ser humano e o ícone, aqui em permanente jogo de equilíbrio, ao longo de um vasto acervo que “escreve” a narrativa de vida de uma das figuras mais marcantes do universo artístico, 40 anos depois da sua morte.

Volf optou por não acrescenta­r qualquer entrevista exterior ao material de arquivo que compõe este denso retrato biográfico. A única impressão digital alheia é a voz off da atriz Fanny Ardant, que lê as cartas escritas por Callas aos amigos mais próximos – retomando, por assim dizer, essa personagem que interpreto­u no filme de Franco Zefirelli Callas Forever (2002).

O interesse do realizador foi dar a conhecer a cantora de ópera a partir do ângulo íntimo, sendo as suas palavras o alicerce fundamenta­l. Entre filmagens inéditas, em que se vislumbra um sem-fim de personalid­ades, fotografia­s, gravações caseiras e correspond­ência pessoal, o percurso que se faz com Maria Callas é assinalado tanto pela sua força moral como pela fragilidad­e física.

Do romance com o magnata grego Aristótele­s Onassis – que lhe causou o maior dos desgostos, ao casar-se com Jacqueline Kennedy – às sucessivas viagens e concertos, alguns dos quais lhe mancharam o prestígio, pelas interrupçõ­es causadas por problemas vocais, passando pela sua experiênci­a de cinema com Pier Paolo Pasolini, em que vestiu a pele de Medeia (1969), muitos são os detalhes desta vida recheada, entre a glória e o drama.

Por sua vez, o canto lírico de Maria Callas, nas suas diversas atuações em vários palcos mundiais, é aquilo que enche o ecrã e o torna ainda maior. Melodias trágicas que Volf incluiu no documentár­io quase sem cortes, para que também através dessas interpreta­ções de Callas se chegue à essência de Maria. É, pois, na combinação dos dois nomes que o filme escrutina uma identidade, realçando o brilho humano da figura mítica, isto é, a mulher que se negava intelectua­l e gostava de recortar receitas de culinária nos tempos livres.

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Documentár­io de Tom Volf é composto só por materiais de arquivo

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