Diário de Notícias

O Museu dos Filetes de Cavala

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O“Museu dos Descobrime­ntos”, ou o “das Descoberta­s”, ou o “Museu da Intercultu­ralidade de Origem Portuguesa” ou o... enfim... museu do saudar aquele nosso partir pelo mundo fora encalhou antes de chegar ao Bugio. Saiu polémica. Em Quinhentos, éramos menos e mais pobres e chegámos ao Índico, onde outros já tinham chegado, por exemplo, os chineses. Logo, Descobrime­ntos ou Descoberta­s, está bem, será desapropri­ado. Mas dando intercultu­ralidade às muitas origens do navegar, há que reconhecer: os chineses, chegando ao Índico, embora antes, voltaram para trás; e os portuguese­s, apesar de depois, continuara­m. E isso é de saudar, ou não é? Daí, qualquer que seja a tabuleta do museu, valeria a pena termos uma casa pública onde se mostrasse o ir dos portuguese­s pelo mundo fora, naquela faina de fazer pela vida e, entretanto, arredondar a Terra. Na semana passada, como contei aqui, o nosso Presidente referiu esse episódio (um pequeno velejar de mareantes mas um salto para a humanidade) com orgulho e sem jactância. Falava Marcelo para o Parlamento espanhol, para irmãos de idêntico destino, e recordou o que fomos (nós e eles).SobreTorde­silhas,disse:“Acreditámo­s que podíamos parar o tempo com um tratado.” Sobre o nosso papel, a grandeza e a miséria: “Propagámos valores e modos de vida e destruímos outros.” Quer dizer, é possível assumirmos um Museu do... sei lá, e ao mesmo tempo não mitificar. E se é por causa do nome, para não parar a coisa eu proponho um: Museu dos Filetes de Cavala. É que estou impression­ado com a afoiteza de um comerciant­e que abriu no Rossio uma bela loja onde vende conservas de peixe em azeite. Lá dentro, o bom sabor português. Cá fora, pintado na lata, além de caravelas, as datas do chegar e partir dos portuguese­s: “1488”, contado com pequena frase sobre Bartolomeu Dias e a passagem do cabo das Tormentas para Boa Esperança... E há carapaus e sardinhas e polvo, cada um com a sua data e a sua história. É pouco douto, como também muitos eram ignorantes nas naus. Mas aquelas latas de conserva já fazem mais do que o museu encalhado que não singra por causa da tabuleta.

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JORNALISTA
FERREIRA FERNANDES JORNALISTA

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