Diário de Notícias

Fazer e roubar

- JOÃO ALMEIDA MOREIRA em São Paulo

No país em que os marqueteir­os políticos modernos são os mais bem pagos do mundo, foi um slogan do longínquo ano de 1956 que alcançou a eternidade. O “Ademar rouba mas faz”, que começou por ser um ataque de Paulo Duarte a Ademar de Barros, ambos candidatos à prefeitura de São Paulo, passou não só a lema do visado como ainda o levou à vitória eleitoral meses depois.

O “rouba mas faz” é também sintoma do triste fado dos brasileiro­s: como jamais sonharam com um governante que fizesse sem roubar, a escolha, salvo curtíssima­s e raríssimas exceções, sempre foi entre um que roubasse mas fizesse e outro que roubasse e nem sequer fizesse.

Abrindo aqui um parêntesis, talvez como resposta a essa trágica escolha, dois anos depois daquela eleição nasceria na mesma São Paulo o voto non sense, desde então tradição eleitoral brasileira: Cacareco, uma rinoceront­e fêmea emprestada à cidade pelo zoológico da vizinha Rio de Janeiro, superou Ademar e toda a concorrênc­ia e obteve cem mil votos – declarados nulos, claro.

Sepultada a ditadura militar em 1985, que como todas as ditaduras, mesmo que faça qualquer coisa, rouba desde logo a liberdade de voto, o Brasil viveu já em democracia sob o governo retrógrado de José Sarney, a gestão absurda de Collor de Mello e a presidênci­a tampão de Itamar Franco, antes de chegar a Fernando Henrique Cardoso (FHC).

Com preparação intelectua­l invejável, visão social-democrata e sucesso no Plano Real, que salvou os brasileiro­s de inflação anual de quatro dígitos, FHC foi um presidente positivo.

No entanto, não conseguiu fugir das profundas forças do atraso – aqueles velhos caciques que vendem o apoio ao governo, seja ele qual for, em troca da perpetuaçã­o dos seus inconfessá­veis privilégio­s. O urbaníssim­o sociólogo amantizou-se no Congresso Nacional com, entre outras criaturas do tipo, o godfather parlamenta­r da época: Antonio Carlos Magalhães (ACM), um “coronel” baiano que sempre roubou mais do que fez.

Em suma, as reformas acertadas de FHC não impediram a elite atrasada de continuar a saquear como sempre saqueou.

Seguiu-se Lula, o tal que disse um dia que se Jesus fosse presidente do Brasil se aliaria até com Judas. Com o Plano Real do antecessor a ajudar, “pela primeira vez na história do país”, o seu bordão preferido, fez dos excluídos a prioridade do governo, com os resultados transforma­dores, aplaudidos por organismos independen­tes mundo afora, que se conhecem.

Mas não só: coligou-se ao putrefacto MDB, partido que é governo desde 1985 sem nunca ter elegido um presidente, e abraçou-se a Sarney e outros “coronéis” – ou Judas. Além de em troca de favores públicos ter oleado o seu governo com dinheiro das construtor­as, Odebrecht à cabeça, prática comum a dinastias e dinastias políticas.

Resumindo, com Lula a vida do povo melhorou – mas a da elite atrasada, e rapinadora, também.

O fracasso do governo de Dilma Rousseff deveu-se, um bocadinho, à maré contrária internacio­nal e, um bocadão, à sua desastrada política económica. Mas o impeachmen­t teve como causa direta a falta de vontade da presidente em abraçar a tal elite atrasada do Congresso, traduzida pelo MDB e por mais meia dúzia de mini-MDB entretanto nascidos. Ela não roubou nem fez.

O ódio que despertou no cacique Eduardo Cunha, o ACM ou Sarney do seu tempo, vem do dia em que vetou a indicação de boys dele para uns jobs numa estatal. Cunha, que hoje está preso, é do MDB, o partido antes presidido por Temer e hoje liderado por Romero Jucá, gravado a dizer que era preciso “trocar a Dilma pelo Michel para estancar a sangria da LavaJato”. E continuar, portanto, a roubar.

Por falar em Lava-Jato, o incensado juiz Sergio Moro mora em casa própria em Curitiba e mesmo assim recebe um imoral subsídio de moradia à conta do contribuin­te equivalent­e a cinco salários mínimos. Mas, corajoso e implacável, é um mouro de trabalho, capaz sozinho de produzir mais sentenças num ano do que os 11 tagarelas do Supremo em dez. Ele é a prova de que o eterno slogan de Ademar sobrevive.

Sergio Moro é um mouro de trabalho, capaz sozinho de produzir mais sentenças num ano do que os 11 tagarelas do Supremo em dez. Ele é a prova de que o eterno slogan de Ademar sobrevive

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