Fazer e roubar
No país em que os marqueteiros políticos modernos são os mais bem pagos do mundo, foi um slogan do longínquo ano de 1956 que alcançou a eternidade. O “Ademar rouba mas faz”, que começou por ser um ataque de Paulo Duarte a Ademar de Barros, ambos candidatos à prefeitura de São Paulo, passou não só a lema do visado como ainda o levou à vitória eleitoral meses depois.
O “rouba mas faz” é também sintoma do triste fado dos brasileiros: como jamais sonharam com um governante que fizesse sem roubar, a escolha, salvo curtíssimas e raríssimas exceções, sempre foi entre um que roubasse mas fizesse e outro que roubasse e nem sequer fizesse.
Abrindo aqui um parêntesis, talvez como resposta a essa trágica escolha, dois anos depois daquela eleição nasceria na mesma São Paulo o voto non sense, desde então tradição eleitoral brasileira: Cacareco, uma rinoceronte fêmea emprestada à cidade pelo zoológico da vizinha Rio de Janeiro, superou Ademar e toda a concorrência e obteve cem mil votos – declarados nulos, claro.
Sepultada a ditadura militar em 1985, que como todas as ditaduras, mesmo que faça qualquer coisa, rouba desde logo a liberdade de voto, o Brasil viveu já em democracia sob o governo retrógrado de José Sarney, a gestão absurda de Collor de Mello e a presidência tampão de Itamar Franco, antes de chegar a Fernando Henrique Cardoso (FHC).
Com preparação intelectual invejável, visão social-democrata e sucesso no Plano Real, que salvou os brasileiros de inflação anual de quatro dígitos, FHC foi um presidente positivo.
No entanto, não conseguiu fugir das profundas forças do atraso – aqueles velhos caciques que vendem o apoio ao governo, seja ele qual for, em troca da perpetuação dos seus inconfessáveis privilégios. O urbaníssimo sociólogo amantizou-se no Congresso Nacional com, entre outras criaturas do tipo, o godfather parlamentar da época: Antonio Carlos Magalhães (ACM), um “coronel” baiano que sempre roubou mais do que fez.
Em suma, as reformas acertadas de FHC não impediram a elite atrasada de continuar a saquear como sempre saqueou.
Seguiu-se Lula, o tal que disse um dia que se Jesus fosse presidente do Brasil se aliaria até com Judas. Com o Plano Real do antecessor a ajudar, “pela primeira vez na história do país”, o seu bordão preferido, fez dos excluídos a prioridade do governo, com os resultados transformadores, aplaudidos por organismos independentes mundo afora, que se conhecem.
Mas não só: coligou-se ao putrefacto MDB, partido que é governo desde 1985 sem nunca ter elegido um presidente, e abraçou-se a Sarney e outros “coronéis” – ou Judas. Além de em troca de favores públicos ter oleado o seu governo com dinheiro das construtoras, Odebrecht à cabeça, prática comum a dinastias e dinastias políticas.
Resumindo, com Lula a vida do povo melhorou – mas a da elite atrasada, e rapinadora, também.
O fracasso do governo de Dilma Rousseff deveu-se, um bocadinho, à maré contrária internacional e, um bocadão, à sua desastrada política económica. Mas o impeachment teve como causa direta a falta de vontade da presidente em abraçar a tal elite atrasada do Congresso, traduzida pelo MDB e por mais meia dúzia de mini-MDB entretanto nascidos. Ela não roubou nem fez.
O ódio que despertou no cacique Eduardo Cunha, o ACM ou Sarney do seu tempo, vem do dia em que vetou a indicação de boys dele para uns jobs numa estatal. Cunha, que hoje está preso, é do MDB, o partido antes presidido por Temer e hoje liderado por Romero Jucá, gravado a dizer que era preciso “trocar a Dilma pelo Michel para estancar a sangria da LavaJato”. E continuar, portanto, a roubar.
Por falar em Lava-Jato, o incensado juiz Sergio Moro mora em casa própria em Curitiba e mesmo assim recebe um imoral subsídio de moradia à conta do contribuinte equivalente a cinco salários mínimos. Mas, corajoso e implacável, é um mouro de trabalho, capaz sozinho de produzir mais sentenças num ano do que os 11 tagarelas do Supremo em dez. Ele é a prova de que o eterno slogan de Ademar sobrevive.
Sergio Moro é um mouro de trabalho, capaz sozinho de produzir mais sentenças num ano do que os 11 tagarelas do Supremo em dez. Ele é a prova de que o eterno slogan de Ademar sobrevive