REFORÇO DOS APOIOS ÀS ARTES NÃO REDUZ CRÍTICAS AO NOVO MODELO
A Jovem Orquestra Portuguesa continuará a tocar, a DeVir não fecha portas, as partituras de Bernardo Sassetti vão ser partilhadas, a Circolando mantém-se em circulação. Mas fica o alerta: é preciso aprender com os erros
“Nos próximos dois anos vamos tentar afinar as agulhas para afirmar o lugar de relevo que a Jovem Orquestra Portuguesa pode ter no panorama atual português.” A reação de Pedro Carneiro, maestro e fundador da Orquestra de Câmara Portuguesa (OCP), surge após cerca de um mês de incerteza quanto à continuidade da Jovem Orquestra Portuguesa ( JOP), associada à OCP. E sem qualquer financiamento atribuído na primeira fase do programa de apoio sustentado da Direção-Geral das Artes, a atividade da JOP teria de terminar. Ontem, conhecidos os resultados finais para as áreas da música e dos cruzamentos disciplinares, a OCP ficou entre as mais 26 entidades que passaram a ser contempladas com o apoio da DGArtes, após o reforço de 4,2 milhões de euros anunciado a dois tempos pelo próprio primeiro-ministro, António Costa, na sequência dos protestos aos resultados provisórios do modelo de financiamento que neste ano foi aplicado pela primeira vez.
“Estamos supercontentes. É um reconhecimento do nosso trabalho e também do movimento #savejop que eles próprios montaram”, afirma ao DN, após mais um ensaio da OCP, que hoje abre os Dias da Música, no Centro Cultural de Belém, com A Criação, de Haydn. Por isso mesmo, a direção da associação que gere as duas orquestras reúne-se só amanhã. Mas Pedro Carneiro antevê já o rumo a traçar, agora com 607 mil euros para 2018 e 2019: “Vamo-nos focar mais no trabalho da JOP para a afirmar como a verdadeira orquestra embaixadora de Portugal e que também seja reconhecida pelo Ministério da Educação.”
Entre as agora 43 entidades apoiadas na área da música (29 nos resultados provisórios) está também a Casa Bernardo Sassetti, que recebe um apoio de 109 mil euros, de um total de 141 mil solicitados. “Estamos bastante satisfeitos”, diz Inês Maya Laginha, adiantando que a par da contestação aos resultados provisórios a Casa iniciou contactos com outras instituições, procurando financiamentos alternativos. Com este apoio da DGArtes, são várias as atividades que a Casa Bernardo Sassetti vai poder realizar nos próximos dois anos: os concertos anuais, um com Ricardo Toscano e outro com Bruno Pernadas; garantir a itinerância da exposição de Daniel Blaufuks dedicada ao compositor que morreu em 2012, com 42 anos; edição de discos; e o “urgente” tratamento do espólio, que conta com as pautas de Sassetti, que a Casa não tem facultado a consulta por serem originais.
José Laginha, da DeVir, uma das 35 estruturas apoiadas na área dos cruzamentos disciplinares e que nos resultados preliminares tinha conseguido 126 mil euros de apoio – vê agora o montante aumentar para 207 mil euros –, não deixa de tecer críticas: “O apoio fica aquém [dos 298 mil euros solicitados] e obriga-nos a repensar a programação, mas viabiliza a DeVir. Sem este reforço ficávamos não só numa situação insustentável como chegávamos ao final de maio com uma dívida astronómica”, diz ao DN. Isto porque, com os atrasos no processo deste novo modelo de apoio, as estruturas avançaram com a programação sem terem a certeza se teriam ou não financiamento da DGArtes. E a associação algarvia iniciou em fevereiro os Encontros DeVir, que até maio juntam em Faro 33 criações de geografias tão diferentes como Palestina, EUA, Laos, Reino Unido ou África do Sul.
“Espero que se tire ensinamentos para que, no futuro, os concursos sejam mais justos sob pena de continuarmos com o subfinanciamento já crónico que o Algarve tem”, defende José Laginha. Também muito crítico do novo modelo é André Braga, da Circolando, que numa primeira fase não tinha conseguido financiamento e agora é apoiado em 70%, num total de 727 mil euros até 2021. “A nossa candidatura é um exemplo de que não pode haver júris [nos concursos] mas sim comissões de acompanhamento. Em todas as audiências de interessados, não foi mudada qualquer nota, e no nosso caso foi mudada a nota em quatro dos cinco critérios. Houve uma total má avaliação e manipulação da nossa candidatura”, defende. E explica porquê: “Se fôssemos apoiados na primeira fase, seríamos a única companhia do norte a receber financiamento. Assim, puderam dizer que eram apoiadas três candidaturas no Porto e cinco em Lisboa. Se fosse só uma no Porto, a Circolando, que com o montante solicitado absorvia a totalidade para a região norte, então os protestos do presidente da Câmara do Porto teriam sido ainda mais altos.” Entre as críticas ao novo modelo deixa também o facto de não se poderem candidatar a apoios à internacionalização por já terem apoio sustentado, pois uma das grandes aposta da Circolando é... circular.