Inês e Paula são as primeiras médicas formadas num hospital privado
Cumprir o internato numa unidade de saúde privada pode ser a forma de muitos médicos conseguirem a especialidade. Como Paula Campelo e Inês Mota, que se tornaram as primeiras a fazê-lo fora do setor público
Inês Andrade Mota sempre quis ser médica. Começou cedo a mostrar “jeito para cuidar dos outros”, o que fez com que Medicina viesse a tornar-se “a opção número um”. Fez mestrado integrado na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova de Lisboa, entre 2005 e 2011, e o ano comum no Hospital Amadora-Sintra. Nessa altura, não imaginava que podia vir a fazer o internato médico num hospital privado.
Uma opção que, segundo disse ao DN António Araújo, membro do Conselho Nacional da Ordem dos Médicos, está a ser cada vez mais disponibilizada, pois há várias unidades privadas que estão certificadas ou a pedir essa autorização para formar jovens médicos, conseguindo, assim, suprir em alguns casos a falta de vagas nos hospitais públicos.
“Era impensável, uma ideia muito remota”, diz Inês Mota ao DN. Contudo, quando viu que existia uma vaga para fazer a especialidade de imunoalergologia no Hospital CUF Descobertas, não hesitou. “Houve quem me dissesse que era um risco, que ia arrepender-me. Estou inteiramente satisfeita com a minha escolha. Fui uma privilegiada.”
O Hospital CUF Descobertas e o CUF Infante Santo foram as primeiras instituições privadas a receber “idoneidade formativa” em Portugal, o primeiro nas especialidades de imunoalergologia e otorrinolaringologia e o segundo em otorrinolaringologia, o que lhes permitiu, desde 2012, começar a formar especialistas nessas áreas. Inês Mota e Paula Campelo, ambas com 30 anos, são as primeiras especialistas a concluir o internato médico no setor privado. Atualmente, os hospitais CUF têm 12 internos em formação – com custos totalmente suportados pelas unidades hospitalares.
“Tive a condição privilegiada de ser a única interna no serviço, que estava muito motivado e reuniu todas as condições para que o internato corresse de forma excecional”, refere Inês Mota, acrescentando que terminou com um currículo “tão bom ou melhor do que qualquer colega que tenha feito a formação no público”, a nível de “oportunidades científicas, atividade assistencial e volume de consultas”. Lembrando a dificuldade que o Estado tem em “criar vagas para todos os colegas realizarem a especialidade” no setor público, o que fez que 347 médicos vissem a sua formação interrompida em 2017, a imunoalergologista considera que o contributo do privado nesta área “é uma enorme mais-valia”. Paula Campelo, que terminou recentemente o internato de especialidade de otorrinolaringologia no Hospital CUF Infante Santo, encarou a escolha do setor privado como “um desafio”. “Queria abraçar uma coisa nova”, recorda. Tirou o mestrado integrado em Medicina na Faculdade de Medicina da Universidade do Porto, fez o ano comum no Centro Hospitalar Lisboa Ocidental e entrou no Hospital CUF em 2013. “Foi uma experiência incrível em termos pessoais e profissionais”, conta ao DN. Na opinião da médica, “é cada vez menos importante discutir público e privado”. Paula Campelo realça ainda a oportunidade de fazer um estágio no Instituto Português de Oncologia durante o internato, que lhe deu a possibilidade de “contactar com várias realidades”. Internos são fundamentais Além dos 12 internos em formação nos hospitais CUF, existem 341 internos nos hospitais públicos de Braga e Vila Franca de Xira, unidades hospitalares que a José de Mello Saúde gere em regime de parceria público-privada. Para João Paço, presidente do conselho médico da José de Mello Saúde, “a presença de internos é fundamental para os médicos, pois têm espírito jovem, irreverência, provocação. Sobem a fasquia da exigência. E quem beneficia? Os doentes”. O fim do internato médico de Inês Mota e Paula Campelo é, para este responsável, o “culminar de um trabalho que começou há oito anos. Isto é fazer história”, frisou.
Além das especialidades já referidas, as de pediatria e ortopedia do Hospital CUF Descobertas têm idoneidade formativa parcial, o que significa que estão articuladas com hospitais públicos. Segundo João Paço, “estão a ser solicitadas várias idoneidades para poder duplicar o número de internos dentro de dois anos”. O grupo aposta também na formação pré-graduada, em cooperação com a Nova.