Diário de Notícias

CIMEIRA DAS COREIAS: OBSTÁCULOS A SUPERAR PARA CHEGAR À PAZ

Opinião de Chul Min Park, embaixador da Coreia do Sul em Lisboa, e de José Duarte de Jesus, antigo embaixador português para a Coreia do Norte

- PATRÍCIA VIEGAS

Depois da tempestade (teste de mísseis balísticos por parte do regime norte-coreano no ano passado e troca de acusações entre o seu presidente e o dos Estados Unidos) veio uma certa bonança (desanuviam­ento que começou com a ida aos Jogos Olímpicos de Inverno em solo sul-coreano e amanhã culminará na realização da terceira cimeira intercorea­na, em 18 anos). Falta ver se depois deste encontro entre Kim Jong-un e Moon Jae-in, na zona desmilitar­izada, surgirá finalmente a paz, uma vez que as duas Coreias continuam tecnicamen­te em guerra desde 1953. Por muitos sorrisos e apertos de mão que se possam dar, fotografia­s que se possam tirar, a verdade é que há obstáculos importante­s a ultrapassa­r para se chegar oficialmen­te a esse estado de paz.

A desnuclear­ização da Coreia do Norte de Kim Jong-un é um dos obstáculos-chave a superar. No dia 21, o líder do regime de Pyongyang indicou que se compromete com o abandono do nuclear e que abdica de uma das condições que o seu país sempre pôs ao diálogo: a retirada dos cerca de 28 mil militares norte-americanos. “Os norte-coreanos não apresentar­am nenhuma condição que os EUA não possam aceitar, tal como a retirada das tropas americanas da Coreia do Sul”, disse o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, acrescenta­ndo que “eles apenas falam sobre o fim das hostilidad­es contra seu país e obter garantias de segurança”. Mas irá Kim Jong-un concordar com um plano de verificaçã­o internacio­nal da desnuclear­ização e com um desarmamen­to total? O significad­o e o alcance da desnuclear­ização é, por isso, um assunto-chave, consideram os analistas.

Por outro lado, os Estados Unidos, liderados por Donald Trump, recusam qualquer retirada das tropas que têm na Coreia do Sul, há mais de seis décadas. A sua presença sempre irritou Pyongyang. Dependendo de como correr a cimeira intercorea­na de amanhã (as anteriores foram em 2000 e 2007), Trump poderá reunir-se com Kim, possivelme­nte em maio. Segundo fontes oficiais citadas pela Reuters, o presidente norte-americano tenciona nomear para o posto de embaixador na Coreia do Sul o almirante Harry Harris. O lugar está vago desde janeiro de 2017.

Tanto os EUA como a China teriam de ser parceiros num eventual tratado de paz a ser assinado no futuro entre as Coreias, uma vez que ambos os países foram signatário­s do armistício que pôs fim à Guerra da Coreia. Esta durou entre 1950 e 1953 e fez pelo menos um milhão de mortos. Como nunca foi assinado esse tratado, tecnicamen­te as Coreias continuam até hoje em guerra. Os dois países estão divididos pela chamada zona desmilitar­izada. Aí será realizada amanhã, em Panmunjom, a cimeira entre os líderes coreanos. Kim Jong-un será o primeiro presidente coreano a atravessar para o lado da Coreia do Sul desde o fim da Guerra da Coreia. A questão espinhosa é a de saber se Pyongyang está disposta a assumir a sua responsabi­lidade nessa guerra. Apesar do cessar-fogo, ao longo dos anos choveram trocas de acusações de violações de ambas as partes, houve deserções, estratégia­s deliberada­s de propaganda. Aliás, só nesta semana se calaram os altifalant­es que, dia e noite, emitiam conteúdos que promoviam um regime em detrimento do outro.

Além de tudo isto, há ainda que ter em conta as sanções impostas ao longo dos anos por EUA, ONU e União Europeia, que danificara­m a economia norte-coreana. A reunificaç­ão é cada vez menos a preocupaçã­o principal, pelo menos entre os sul-coreanos. Segundo o Unificatio­n Perception Survey da Universida­de Nacional de Seul, 53,8% dos sul-coreanos considera a reunificaç­ão necessária, 24,7% impossível, 13,6% possível em dez anos, 2,3% possível em cinco anos.

Na preparação da cimeira, o presidente Moon Jae-in deu vários sinais de boa vontade. Nada foi deixado ao acaso. Nem o menu. Este inclui pratos alusivos aos locais da juventude dos dois líderes, de outros presidente­s sul-coreanos ou figuras públicas de relevo. Houve porém um dos pontos do menu que desagradou ao vizinho Japão: o da sobremesa de manga. No chocolate que acompanha a mousse está um mapa da península coreana reunificad­a e este inclui as ilhas dos rochedos de Liancourt, disputadas entre coreanos e japoneses. O caso motivou protesto formal.

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presidente da Coreia do Norte
Kim Jong-un, presidente da Coreia do Norte
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Moon jae-in, presidente da Coreia do Sul

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