Em Handmaid’s Tale 2 o mundo sombrio está a um golpe de distância
A série original da Hulu regressa nesta noite para lembrar que a liberdade é o bem mais precioso e frágil que (ainda) temos
A evolução de uma sociedade moderna para uma era onde as mulheres férteis são usadas como animais reprodutivos em violações ritualizadas parece tão impossível que é classificada como distopia, tal como contada no livro de Margaret Atwood em 1985. Mas na adaptação para televisão, a segunda temporada de The Handmaid’s Tale ganha contornos profundamente aterradores porque parece mais plausível. O regresso da série original da Hulu, que volta hoje ao NOS Play e tem Elisabeth Moss no papel principal, vai levar-nos a questionar até que ponto Gilead é uma distopia ou uma possibilidade.
O que pode levantar dúvidas a quem mergulha nesta narrativa assustadora, onde as alterações climáticas provocaram uma crise de infertilidade que subverteu a ordem social, é a quase ausência de tecnologia. Porque é que não põem câmaras de vigilância nos quartos das handmaids, as mulheres férteis vestidas de vermelho que perderam os direitos e servem apenas para procriar? Porque é que não lhes põem uma pulseira que rastreie os movimentos? Onde estão os smartphones?
Warren Littlefield, produtor executivo da série, explica: “Uma das coisas que caracterizam Gilead é que os líderes estão muito preocupados com os efeitos da tecnologia”, diz ao DN. “As mulheres em Gilead não estão sequer autorizadas a ler. Se forem férteis, são destinadas a ser máquinas reprodutivas.” Este é um mundo teocrático e autoritário. “Muita da tecnologia é rejeitada”, acrescenta, “a não ser para os comandantes, que têm acesso ao que querem.”
Nesta temporada, a audiência vai mergulhar mais a fundo nos factos que antecederam o golpe revolucionário que transformou os EUA em Gilead. E é aqui que está a componente aterradora, porque traça um paralelo entre a ficção e a realidade. “Em termos de relevância, infelizmente o mundo em que vivemos é um pouco como pré-Gilead”, arrisca Littlefield. “Vemos a ascensão da alt-right, da extrema-direita, vimos isso com o brexit. Temos noção disso há algum tempo, e depois acabou por nos calhar o Trump.” Quando a primeira temporada começou a ser filmada, Donald Trump ainda não tinha sido eleito presidente e a vitória de Hillary Clinton era consensual. Os produtores da série não tinham maneira de saber o quão importante se tornaria. “A luta pelos direitos humanos e pelos direitos das mulheres faz parte do dia-a-dia no nosso mundo. O facto de em termos temáticos estarmos alinhados com isso torna a série muito relevante.”
A atriz Ever Carradine, que interpreta a mulher de um dos comandantes, toca nesse ponto. “As cenas que me assustaram muito foram as marchas e os protestos, porque tem havido tanto na vida real”, disse ao DN, “e claramente tiveram um efeito muito limitado”.
No final da primeira temporada, Offred (Elisabeth Moss) está grávida e é levada da casa do comandante Fred Waterford após desobedecer às ordens de Aunt Lydia – a chefe ultrarreligiosa das handmaids – que mandara apedrejar Janine até à morte. O episódio é poderoso e tem muitos flashbacks ao passado recente em que Offred era ainda June Osbourne. A segunda temporada contará a história da tentativa de rebelião. ANA RITA GUERRA, em Los Angeles