Governo afronta Parlamento e pede fiscalização de lei
Executivo quer análise de lei que impõe distribuição de horários completos e incompletos a docentes. Em causa norma-travão
Desde 1982, só se verificaram nove requerimentos de fiscalização da constitucionalidade entregues pelo primeiro-ministro
Pela primeira vez desde 1991, o governo “requereu a fiscalização da constitucionalidade” de uma norma constante numa lei aprovada pela Assembleia da República.
O executivo socialista queixa-se de que os deputados, ao alterarem um seu decreto – que aprovava“o regime específico de seleção e recrutamento de docentes do ensino artístico especializado da música e da dança” –, vieram impor “a distribuição em 2018 de horários completos e incompletos a docentes de carreira”.
Em causa está o número 6 do artigo 5.º da Lei n.º 17/2018, de 19 de abril, que define que “no âmbito do concurso de mobilidade interna são considerados todos os horários completos e incompletos, recolhidos pela DGAE, mediante proposta do órgão de direção do agrupamento de escolas ou da escola não agrupada”.
Segundo o governo, numa nota à comunicação social da Presidência do Conselho de Ministros, não está em causa a realização do concurso interno antecipado, “que decorrerá este ano conforme imposto pela Assembleia da República” e que o executivo “tudo fará para que decorra com total a normalidade”.
Para o executivo, a correção parlamentar também custa dinheiro aos cofres do Estado. Argumentam os socialistas que se esta medida “tivesse sido adotada em 2017, teria gerado um acréscimo de despesa de 44 milhões de euros”. “Foi este critério, de boa alocação dos recursos existentes, que a Assembleia da República agora pôs em causa”, apontou o governo. E que trará mais “um significativo acréscimo de despesa”, algo que, defendeu o executivo, “o Parlamento está constitucionalmente impedido de fazer, por força do número 2 do artigo 167.º da Constituição (norma-travão)”.
Para o governo, este aumento da despesa de “cerca de 44 milhões de euros no ano letivo 2018-19 (dos quais cerca de 15 milhões de euros durante o exercício orçamental de 2018), sem que haja qualquer previsão” no Orçamento do Estado, é “flagrantemente inconstitucional”.
O governo tem outras certezas, na sua interpretação: “A atribuição de horários incompletos a professores do quadro, ou seja, a professores que auferem necessariamente a totalidade do seu salário independentemente do número de horas que lecionam é uma medida injusta, violadora do princípio constitucional do direito a salário igual para trabalho igual.”
Esta é uma situação de “injustiça”, no entendimento do governo, “para os professores vinculados que lecionam horários completos pelo mesmo salário, como para os professores contratados, que quando colocados em horários incompletos apenas auferem o salário correspondente às horas que lecionam”.
O decreto do executivo foi alterado no Parlamento. O PSD e o CDS votaram ao lado de BE, PCP e PEV e aprovaram as alterações ao diploma de concursos. Com a correção do decreto, o governo abriu o concurso extraordinário de mobilidade interna a todos os docentes de quadro e não apenas aos que contestam a colocação de agosto.
Este pedido de fiscalização não é inédito. Desde 1982, ano em que foi criado o Tribunal Constitucional, só se verificaram nove requerimentos de fiscalização da constitucionalidade entregues pelo primeiro-ministro.