Suspensos tratamentos com dadores anónimos
Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida considera que o chumbo do Constitucional só se resolve pela lei. Entretanto, pede que não se façam tratamentos
O Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida recomenda às clínicas de fertilidade que suspendam os tratamentos com o recurso a gâmetas (ovócitos e esperma)de dadores anónimos. E o mesmo acontece com os processos para autorização de barrigas de aluguer pendentes. Em reunião ontem realizada na Assembleia da República, concluíram que “os problemas criados com o chumbo do Tribunal Constitucional só se resolvem por via legislativa”. E pedem explicações aos juízes sobre o que dizem ser o “início terapêutico”, casos a que o chumbo não se aplica.
Estamos a falar das duas situações de barrigas de aluguer autorizadas pelo Conselho Nacional de Procriação Medicamente Assistida (CNPMA), a primeira em dezembro, desconhecendo-se se já existem gravidezes. Foi uma das preocupações abordadas na reunião do Conselho, entre as 10.00 e as 16.35 do dia de ontem, disse ao DN Eurico Reis. O Conselho declarou “extintos” os processos de autorização para gestação de substituição pendentes “por ter deixado de existir suporte legal”, diz em comunicado.
O chumbo do TC não implica apenas a gestação de substituição, mas toda a procriação medicamente assistida, cuja lei está em vigor desde 2006 e que teve três alterações. Agora, as clínicas de fertilidade vão ter de restringir-se à utilização dos gâmetas de dadores que não pediram o anonimato. E perguntar a todos os outros se aceitam a quebra do sigilo.
O CNPMA assim deliberou, já que “não tem competências para legislar sobre a matéria”. Processo para o qual os partidos demonstraram disponibilidade. O que está em causa é o que fazer entretanto, nomeadamente com os milhares de casais inscritos para tratamentos segundo a presidente da Associação Portuguesa de Fertilidade, Cláudia Vieira (ver entrevista).
Era a deliberação que os proprietários da Clínica de Fertilidade IVI esperavam para saber o que fazer. Ontem e hoje não tinham agendado qualquer tratamento, temendo, agora, pelos casais inférteis que lhes batem à porta. “Recebemos chamadas tanto das famílias como dos dadores, estes referindo que o fazem por altruísmo, para ajudar, e que não querem ver o nome exposto”, diz Maria Vassalo, assessora de imprensa.
A unidade está em Portugal há 12 anos – espanhóis que se associaram aos americanos –, realizando uma média de mil ciclos de fertilização por ano. Estimam que nascem 400 crianças por ano no país só com os tratamentos feitos nas duas unidades em Portugal (uma em Lisboa e outra no Porto)e admitem perder 58% das doações de ovócitos com o fim do anonimato. Está espalhada por 13 países, com 60 unidades. Apenas o Reino Unido não admite o anonimato.
Em causa, o Acórdão n.º 225/2018 do TC, de 24 de abril de 2018, proferido no âmbito do processo de fiscalização sucessiva abstrata da constitucionalidade. As decisões tomadas têm “força obrigatória geral”, pelo que a declaração de inconstitucionalidade de cinco normativos da Lei da Procriação Medicamente Assistida implica a suspensão das mesmas até serem alteradas. O CNPMA, a entidade reguladora das PMA, começou por manifestar a “sua profunda preocupação pelas consequências diretas e imediatas dessa deliberação para os beneficiários” destas técnicas, incluindo os da gestação de substituição.
Como único ponto de agenda da reunião, a “eliminação do regime da confidencialidade dos dadores terceiros”. Perguntam: o que fazer relativamente aos tratamentos em curso; o destino a dar aos embriões criopreservados produzidos com recurso a gâmetas de dadores anónimos e com as próprias gâmetas; como compatibilizar o direito dos nascidos com recurso a gâmetas ou embriões doados anonimamente com o dos dadores que doaram sob sigilo? Consideram, ainda, que se cria uma discriminação entre pessoas já nascidas de dádivas recolhidas em Portugal e as provenientes de países em que vigora o regime de anonimato dos dadores.