O combate ao antissemitismo requer liberdade de expressão
© Project Syndicate, 2018
Oaumento do populismo em todo o Ocidente trouxe, sem surpresa, uma crescente onda de antissemitismo. No Reino Unido, o Partido Trabalhista é perseguido por acusações de que o seu líder, Jeremy Corbyn, tolera comentários antissemitas entre os seus partidários mais à esquerda. Na Hungria, um componente-chave da campanha do primeiro-ministro Viktor Orbán, recentemente reeleito, foi um ataque antissemita mal disfarçado contra o filantropo George Soros.
Em França, o antissemitismo vem de dois lados: da Frente Nacional, de extrema-direita, e de certos segmentos da grande comunidade muçulmana do país. E os meios com os quais a França está a combater as suas explosões antissemitas poderiam muito bem ser um modelo útil a ser seguido por outros países.
Para começar, o contrato social francês é baseado na coexistência pacífica de diferentes religiões, nenhuma das quais pode ser patrocinada pelo Estado. Ao mesmo tempo, o Estado de direito tem necessariamente prioridade sobre qualquer preceito religioso específico.
Assim, por exemplo, independentemente de existirem imãs que recomendem ou tolerem a circuncisão feminina, o corte ritual dos genitais das meninas é um crime, punível com até 20 anos de prisão. Da mesma forma, a poligamia é ilegal em França. Assim, mesmo que um imigrante venha de um país onde tais práticas são permitidas, os tribunais franceses não reconhecerão o seu casamento com mais de uma mulher. Nem reconhecerão quaisquer desafios à igualdade de género mesmo aqueles que sejam baseados em crenças religiosas.
Sob o sistema constitucional de secularismo francês (laïcité), a religião está confinada à esfera pessoal e privada. Citando o poeta francês Louis Aragon, isso garante o respeito mútuo entre aqueles que acreditam no além e aqueles que não acreditam (“Celui qui croyait au Ciel. Celui qui n’y croyait pas”). Assim, em muitas escolas francesas, os professores evitam mencionar a religião sempre que possível. Estes princípios fundamentais garantiram a coexistência religiosa pacífica desde o final da Segunda Guerra Mundial, apesar do trauma dos anos de guerra e do grande afluxo de muçulmanos que se seguiu à Guerra da Argélia. Infelizmente, esses princípios estão agora a ser ameaçados, não tanto pela Frente Nacional e outros populistas (cujos líderes foram processados por reflexões antissemitas e pela negação do Holocausto), mas pela crescente influência de interpretações radicais do islão. Essa influência faz-se sentir não apenas em comunidades particulares mas em toda a sociedade política e civil francesa, devido ao surgimento de organizações ativistas e de defesa com origens e financiamento obscuros, algumas das quais promovem a instituição da lei da sharia.
Para aqueles que exercem essa influência, o objetivo é criar uma cultura de vitimização entre jovens franceses de origem árabe. A esperança é que eles abracem a causa palestiniana e, nos casos mais extremos, se vinguem dos israelitas ou dos judeus em França. Não é de admirar, portanto, que os incidentes antissemitas em França tenham aumentado dramaticamente nos últimos anos, levando o presidente francês Emmanuel Macron a declarar que o antissionismo é “uma forma reinventada de antissemitismo”.
A vítima mais recente da violência antissemita foi Mireille Knoll, uma sobrevivente do Holocausto de 85 anos que foi assassinada a 23 de março, supostamente por um jovem vizinho que ela havia recebido várias vezes em sua casa. De acordo com os investigadores franceses, o homem teria gritado “Allahu Akbar” enquanto a matava cruelmente.
Após o assassínio, milhares de pessoas tomaram as ruas de Paris para expressar a sua pena e a sua raiva. Para a maioria daqueles que marchavam, era mais uma triste lembrança do ataque de 2012 a uma escola judaica em Toulouse, dos massacres de 2015 na redação do jornal satírico Charlie Hebdo e numa mercearia kosher, além de muitos outros incidentes semelhantes.
Entretanto, aqueles que alimentam a raiva em relação ao conflito israelo-palestiniano lançaram uma campanha de intimidação contra qualquer um que ousasse identificar as fontes do antissemitismo atual. Veja-se o caso de Georges Bensoussan, um historiador altamente conceituado e autor do livro de 2012 Jews in Arab Countries. Num programa de rádio em 2015, Bensoussan referiu-se a uma sondagem de 2014 que descobriu que os muçulmanos franceses tinham duas a três vezes mais probabilidades de abrigar sentimentos antijudaicos do que os franceses em geral, e pressupôs que tais convicções são aprendidas em casa.
Logo a seguir, o Coletivo contra a Islamofobia em França e a Liga Internacional contra o Racismo e o Antissemitismo apresentaram queixas legais separadas contra Bensoussan, acusando-o de incitar ao ódio racial. Bensoussan foi ilibado de qualquer delito criminal em março de 2017, mas todo o episódio lembrou a acusação de 2007 aos cartoonistas do Charlie Hebdo pela sua representação do profeta Maomé. Nesses e em muitos outros casos, intelectuais e artistas que há muito lutam contra o racismo viram-se acusados disso mesmo.
Até agora, as ações legais formais postas contra os críticos do islão falharam, porque os tribunais franceses viram as falsas acusações de racismo. Mas a estratégia de intimidação pode sempre sair vitoriosa no futuro. Para garantir que nenhuma voz seja erradamente silenciada, as instituições democráticas francesas devem continuar a defender a liberdade de expressão, o mais precioso de todos os direitos humanos, e o mais necessário para superar o ódio em todas as suas formas.
Em França, o antissemitismo vem de dois lados: da Frente Nacional, de extrema-direita, e de certos segmentos da grande comunidade muçulmana do país. E os meios com os quais a França está a combater as suas explosões antissemitas poderiam muito bem ser um modelo útil a ser seguido por outros países