“Deve fazer-se o levantamento das pessoas enganadas que serão despejadas”
ENTREVISTA ASSUNÇÃO CRISTAS
A líder do CDS/PP e vereadora da Câmara de Lisboa nega que as alterações que em 2012, como ministra do Ordenamento, fez ao Novo Regime de Arrendamento Urbano – apelidadas como “lei Cristas” – sejam responsáveis pela atual onda de despejos na capital e acusa quem o diz de “demagogia”. Garante que maiores de 65 com contratos anteriores a 1990 estavam protegidos e não podiam ser despejados, mas admite que possa ter havido pessoas enganadas e que esses casos devem ser examinados. Já transformar contratos a prazo em vitalícios devido à idade dos inquilinos parece-lhe inconstitucional.
A alteração efetuada em 2012 ao Regime do Novo Arrendamento Urbano, referida como a “lei Cristas”, tem sido responsabilizada pela onda de despejos. Como reage? Acho que há muita demagogia em atirar culpas para cima da lei que fizemos. Houve um boom turístico e Lisboa entrou no roteiro do mercado imobiliário internacional, duas coisas que não existiam em 2011. Mas reajo com naturalidade a essas acusações. Imaginava que ia ser assim, porque se trata de um combate político-partidário que não tem de ser uma coisa honesta, infelizmente. Qual foi o objetivo da lei de 2012? Vem na sequência da lei de 2006 [o Novo Regime de Arrendamento Urbano, apresentado pelo então ministro António Costa, que descongelou as rendas de arrendamentos habitacionais anteriores a 1990] e da lei de 1990 [do governo de Cavaco Silva, que acabou com o regime vinculístico]. Havia um regime pré-1990 e um regime pós, em que os contratos de arrendamento passam a ter prazo. Quisemos em 2012 fazer uma transição para o mercado liberalizado, porque a lei de 2006 tinha tido muito pouco sucesso – só houvera 3000 atualizações de renda; o processo era muito burocrático e exigia avaliação prévia dos imóveis, que era paga – salvaguardando certas situações: as das pessoas com mais de 65 ou com deficiência e carência económica, considerando que em princípio deveriam permanecer nas casas onde habitavam mesmo passado o período de transição. Mas uma das acusações que tem sido feita é de que a sua lei desprotege os maiores de 65. Isso é mentira, os inquilinos com mais de 65 e arrendamentos anteriores a 1990 não ficaram desprotegidos. Havia um período de transição de cinco anos em que a renda era fixada em função do Rendimento Anual Bruto Corrigido dos inquilinos que, independentemente da idade, provassem ter um rendimento inferior a cinco retribuições mínimas garantidas [2900 euros/mês]. Passado esse período, estava previsto um subsídio de renda do Estado por mais cinco anos, que o governo não quis aplicar – teve outras prioridades – tendo prorrogado o prazo em que os proprietários são obrigados a suportar esse apoio social. O que corresponde a uma grande quebra da confiança no Estado: as pessoas sentem-se enganadas, porque lhes disseram que iam poder aumentar as rendas passados cinco anos e agora não sabem se algum dia o poderão fazer. O seu governo calculou o valor anual desse subsídio? Andaria na casa dos 200, 250 milhões de euros. Mas há pessoas com mais de 65 anos que tinham arrendamentos anteriores a 1990 a serem despejadas. Havia na lei uma única desproteção dos mais idosos: quando os edifícios iam para obras totais. Mas previa-se realojamento na mesma freguesia ou limítrofe [ou dois anos de rendas como indemnização]. Para quem tinha simultaneamente mais de 65 anos (ou grau de deficiência superior a 60%) e carência económica, a transição para o novo regime, de contrato a prazo, só se poderia fazer com acordo do inquilino. Ou seja? Sem acordo, o contrato continuava vitalício e a lei estabelecia uma renda máxima anual igual a 1/15 do valor patrimonial tributário do locado, cobrindo o Estado a diferença entre o que o inquilino pagava durante o período de transição e a nova renda. Há inquilinos idosos que, por desconhecimento das consequências, não responderam às cartas dos proprietários a propor a transição para o NRAU. E sem que tivessem disso consciência o contrato passou a prazo, com cinco anos – que acabam agora para quem recebeu a carta em 2013. Há casos de senhorios mal formados que se aproveitaram do desconhecimento dos inquilinos. E aí dou a mão à palmatória, não há leis perfeitas e muito menos feitas em seis meses – é preci- so recordar que esta alteração era uma imposição da troika. Por isso criámos o mecanismo de acompanhamento para ir aferindo e corrigindo. Em 2014 o seu governo alterou a lei: as cartas enviadas pelos proprietários tinham de explicar as alternativas aos inquilinos. Isso não implica que o Estado reconheceu um erro? Não deve haver disso consequências para quem, por o contrato ter passado a prazo, vai ser despejado? Esses casos podem e devem ser analisados. Se a pessoa só se deu conta agora pode durante um ano levantar a questão. A fórmula jurídica para resolver isso é dizer que estava em erro e prová-lo. E deve ser feito, através do Instituto da Habitação e da Reabilitação Urbana, o levantamento das situações de pessoas enganadas. Mas, claro, também podemos perguntar porque é que o senhorio tem de ser penalizado... E deixe-me dizer que houve quem preferisse atacar a lei e traçar um cenário catastrófico em vez de ajudar as pessoas. É o caso do presidente da Associação dos Inquilinos Lisbonenses, Romão Lavadinho, que é assessor dos vereadores do PCP na Câmara. Andou a dizer que a lei ia pôr tudo na rua ao invés de explicar como proceder. Identifica a entrada em força do investimento estrangeiro como uma das causas da crise na habitação. Mas continuam os incentivos a esse investimento
“Há casos de senhorios mal formados que se aproveitaram do desconhecimento dos inquilinos. E aí dou a mão à palmatória, não há leis perfeitas (...)”
– os vistos Gold, a isenção de IRS por dez anos para pensionistas da UE “residentes não habituais”. Acho que podemos neste momento reavaliar certos instrumentos que foram muito importantes para atrair investimento estrangeiro numa altura em que o mercado imobiliário português estava em crise profunda. Outro fator identificado é o alojamento local. Porém, o CDS opõe-se às quotas por zona. Antes de se chegar a quotas para o AL acho que há mecanismos que têm de ser ativados pela autarquia: exercício do direito de preferência nas vendas e obras coercivas e utilização de imóveis públicos para desenvolver programas de arrendamento acessível e injetar habitação no mercado. É inadmissível que se esteja a falar de requisição de imóveis particulares quando existem imóveis públicos devolutos. E o CDS já propôs estímulos fiscais para arrendamentos de longa duração, uma proposta que o governo não aproveitou. Propusemos uma taxa liberatória de 12% [a normal é 28%] para arrendamentos de oito anos ou mais. Porém em 2012 não aplicou qualquer benefício fiscal aos proprietários com contratos vitalícios. Tínhamos muita dificuldade em baixar impostos, a troika não deixava. Mas nos casos de rendas condicionadas ao RABC criámos isenção das atualizações do IMI. Aumentámo-lo para as casas devolutas e criámos uma taxa liberatória de 28% para as rendas em sede de IRS – antes era englobado. O “Balcão Nacional do Arrendamento”, criado pela lei de 2012, tem sido apelidado de “balcão dos despejos” e a sua extinção defendida. Os senhorios tinham medo de arrendar porque a duração mínima do primeiro contrato, antes da lei de 2012, era de cinco anos, e se as pessoas não pagassem a renda tinham imensa dificuldade em despejar. Este balcão foi criado para agilizar o procedimento nesses casos. De qualquer modo, estive a ver os números e foram muito poucos os despejos através do BNA [em 2015, foram 1860; em 2016, 1931]. E acho que todas as alterações que vão no sentido de abalar a confiança são más. Tem de haver estabilidade na legislação. Uma das propostas do governo parece ser no sentido de que as pessoas com mais de 65 anos não possam doravante ser despejadas. Lá está: no caso dos contratos antigos essas pessoas já não podiam ser despejadas; estavam protegidas até de aumentos de renda. Se se está a falar de contratos recentes, a prazo, duvido que tal passe no crivo da Constituição.