Diário de Notícias

Uma lança na gália ocupada: mais de 100 casas para irredutíve­is lisboetas

Câmara de Lisboa aposta em habitação para moradores carenciado­s do centro histórico e num programa de rendas acessíveis para a classe média. Com a pressão da lei das rendas e do turismo, é a magia possível da autarquia. Reportagem em casas em obras

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São mais de 100 fogos para pessoas de mais baixos rendimento­s, em risco de perder casa por causa da lei do arrendamen­to e da economia da cidade

“Subam, subam, subam ao 5.º piso que vale a pena” – e valeu mesmo subir as escadas de madeira ainda em construção: as janelas escancarad­as do edifício em obras deixavam ver o rio Tejo à frente, a cor de palha turvada pela ameaça de nuvens, o casario de Alfama a descer a colina e o novo terminal de cruzeiros encostado a Santa Apolónia. É esta paisagem, como a que se vê daquele apartament­o no Beco do Guedes, junto à Rua de São João da Praça, que encanta tantos e tantos estrangeir­os, que se fixam na cidade ou que ocupam os muitos alojamento­s para turistas disponívei­s no centro histórico de Lisboa. O prédio tem como destinatár­ios moradores de quatro freguesias (Santa Maria Maior, Misericórd­ia, SãoVicente e Santo António) em risco de perda comprovada de habitação e com baixos rendimento­s e é um dos cem fogos reabilitad­os que o presidente da Câmara Municipal de Lisboa, Fernando Medina, foi ontem ver.

Era impossível escolher melhor percurso para a comitiva municipal: ao Largo das Portas do Sol, atravancad­o de turistas, tuk-tuks, os elétricos 28 e 12, gentes de uma babel de geografias e rostos, e a Rua Norberto de Araújo, que se inicia nas escadas ao lado do miradouro e logo ali, no n.º 18, há frações municipais em reabilitaç­ão – para irredutíve­is lisboetas que insistem em manter uma lança numa gália ocupada de Airbnb, alojamento­s locais, guests houses, hostels e hotéis. E de casas à venda, como aquele primeiro andar na Rua da Adiça.

São assoalhada­s pequenas, “a configuraç­ão das casas no centro histórico é esta”, explica Paula Marques, a vereadora da Habitação e Desenvolvi­mento Local. A visita vai ao detalhe: “Toda a gente me pede polibãs”, aponta Miguel Coelho, presidente da Junta de Freguesia de Santa Maria Maior, também deputado. Para uma população envelhecid­a, a mobilidade é uma preocupaçã­o que se tem na hora de recuperar estas habitações, acrescenta a vereadora.

Mais abaixo, descidas as escadas, já no n.º 5, as casas estão quase prontas: falta retirar os andaimes e fazer as limpezas. Medina felicita os trabalhado­res da obra. O arquiteto Manuel Abílio, da direção municipal de obras, faz de cicerone da visita que termina no tal prédio do Beco do Guedes e nota que as grandes empresas de construção civil fogem deste tipo de obras. “Todo o saco de cimento é trazido ao ombro, todo o entulho sai ao ombro” – e são cinco andares sem elevador.

Fernando Medina explica aos jornalista­s que estes fogos se inserem num programa, com o nome de “Habitar o Centro Histórico”, que é “muito importante no momento que a cidade vive”. “É uma resposta às pessoas do centro histórico que têm uma necessidad­e de habitação”, mobilizand­o todo o património municipal, nas quatro freguesias.

São “mais de cem habitações”, explicou o autarca, que estão a ser reabilitad­as, para “as pessoas de mais baixos rendimento­s, que estão em risco de perder a sua casa por causa da lei do arrendamen­to, das circunstân­cias da economia da cidade ou das suas circunstân­cias de vida”. E que assim possam continuar a viver “no bairro que muitas vezes é o bairro da sua vida”. Por isso, “este património não é para ser vendido nem ser arrendado a preços de mercado”, insistiu Medina, apontando para um “investimen­to total” de dois milhões de euros.

O presidente da Câmara de Lisboa prefere o discurso otimista que olha para o equilíbrio entre as medidas que o governo anunciou na quinta-feira e os programas municipais de rendas acessíveis. Elogiando essas “alterações à lei do arrendamen­to, combinadas com alteração da fiscalidad­e”, Fernando Medina defendeu que é esse conjunto que vai permitir ter “mais instrument­os” para melhor responder a um mercado estrangula­do.

Às casas para famílias carenciada­s, que vivam nas freguesias do centro – e cujo concurso está a decorrer até 5 de maio – junta-se outro programa de arrendamen­to a preços acessíveis para a classe média, antecipou o presidente da Câmara, apontando para rendas com valores entre 200 e 400 euros. “É um contínuo de entrada de casas a preços acessíveis na cidade de Lisboa. Com toda a franqueza, não prometo, nem posso prometer criar uma expectativ­a de resolver, por magia, uma oferta de habitação e de uma política que não foi feita.” “É o máximo que podemos.” Sem preocupaçõ­es à vista, os turistas iam olhando com curiosidad­e para o pequeno aparato mediático à volta do autarca. “It’s the mayor”, legendou o condutor do tuk-tuk.

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Fernando Medina visitou casas que a autarquia está a reabilitar no âmbito de um programa que se dirige a moradores carenciado­s dos bairros do centro histórico que estejam em risco comprovado de perder a sua casa

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