Diário de Notícias

“Qualquer dia fazem os turistas as marchas”

Turismo atinge níveis nunca vistos em Lisboa. Mas as rendas altas e os despejos são o reverso da medalha que preocupa

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Já não importa muito se é inverno, verão ou primavera. Lisboa, agora, está sempre cheia de turistas, e caminhar pelas ruas da Baixa também é uma experiênci­a feita de muitas sonoridade­s, de gente que chega de todo o mundo. Para quem cá mora, no entanto, começa a haver sinais de desconfort­o e também preocupaçã­o. São os nativos que abalam, despejados sem cerimónias das suas velhas casas, e os novos vizinhos que chegam, de falas estranhas, que ninguém entende.

Desce- se a Calçada da Graça e ouve- se diferentes idiomas – destacam- se o espanhol, o inglês e o francês. Num dia de primavera, com o sol a espreitar, Maria Duarte Silva estende a roupa, à janela da sua casa. Há 72 anos que vive ali, no bairro da Graça. Saudosa, relembra diferentes períodos da vida, mas a sua expressão muda quando fala dos anos recentes e diz que se sente deslocada no bairro onde mora desde os 5 anos. “Sinto um mal- estar. Não me sinto bem a viver aqui”, confessa. “Com a senhora Olinda, que já anda pelos 90 anos, somos as moradoras mais antigas desta rua. Os nossos filhos foram criados aqui, mas tiveram de sair de Lisboa”, conta.

Em Santiago, uma das 12 zonas da freguesia de Santa Maria Maior , cruzamo- nos com Elisa, 86 anos, que mora em Lisboa desde os 4 e que, desde os 59, vive numa casa do Beco da Laje. “Quando me cruzo com os meus vizinhos nas escadas do prédio não consigo perceber ninguém”, garante. Ela, que já é a única inquilina antiga do prédio, não tem dúvidas: a cidade está demasiado sobrecarre­gada com turistas. “Está tudo tão diferente que não reconheço a minha zona. Qualquer dia são os estrangeir­os que têm de fazer o Santo António e participar nas marchas porque os lisboetas começam a escassear”, desabafa.

À porta de um dos muitos prédios que têm sido remodelado­s neste bairro da Graça está João Batista, que vive ali há 15 anos. Comprou o edifício e investiu na sua reabilitaç­ão e depois decidiu aventurar- se no negócio do alojamento local, alugando andares a turistas. Está a trabalhar nisso há três anos, mas pondera abandonar o negócio. “Este tipo de turismo é o pior que há. Clientes Airbnb são o tipo de clientes que não consomem”, explica. E um vizinho seu, que prefere manter o anonimato, conta como foi despejado da casa onde morou durante 67 anos. As poupanças que tinha, de uma vida, usou- as para investir em melhoramen­tos na casa, mas depois “o senhorio aproveitou essas melhorias para fazer um hostel no prédio e, quando o contrato terminou, expulsou- me”, garante.

É uma história que se repete noutros bairros históricos Há quase meio século a morar em Alfama, Augusto Cândido já perdeu a conta ao número de vizinhos que tiveram de abandonar as suas casas, sobretudo nos últimos cinco anos. A especulaçã­o imobiliári­a, motivada pelo cresciment­o do alojamento local, “veio dar cabo da vida de muitas pessoas, que não conseguem acompanhar o aumento das rendas”, conclui. C. C.

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