Diário de Notícias

Só muito dinheiro e algo mais pode fazer Kim desistir das ogivas

Pyongyang anunciou encerramen­to em maio, e na presença de peritos estrangeir­os, do local onde realizou os seus seis ensaios

- HELENA T E C E DEI RO

Números de janeiro, avançados pela Arms Control Associatio­n, estimam que a Coreia do Norte terá entre dez e 20 ogivas e material físsil para 30 a 60 bombas nucleares. Apesar do secretismo do regime de Pyongyang, que torna difícil avaliar com certeza qual o seu arsenal, a mesma fonte estima que o país tenha 20 a 40 quilos de plutónio e entre 250 e 500 quilos de urânio altamente enriquecid­o. E até 2020 os peritos acreditam que a Coreia do Norte tenha até uma centena de ogivas prontas a ser colocadas em mísseis balísticos interconti­nentais com alcance de 13 mil quilómetro­s – ou seja, capazes de chegar a todo o território continenta­l americano.

Perante este arsenal, não espanta que o presidente Donald Trump insista em que Kim Jong- un tem de entregar todas as armas nucleares se quer mesmo a paz. Na cimeira de dia 27 com o presidente sul- corea- no, Moon Jae- in, o líder norte- coreano assinou um documento em que se compromete com a “desnuclear­ização da Península Coreana”, mas sem dar pormenores concretos. Muitos analistas temem que não passe de palavras vazias e duvidam de que Kim esteja mesmo disposto a entregar as armas que lhe garantem o reconhecim­ento internacio­nal e mantêm a pressão sobre os seus inimigos.

As dúvidas persistem apesar de ontem o líder norte- coreano ter anunciado o encerramen­to em maio de Punggye- ri, o local onde a Coreia do Norte realizou os seis ensaios nucleares, o último dos quais em setembro do ano passado. Mais, Kim garantiu que o encerramen­to das instalaçõe­s será feito em público e na presença de peritos da Coreia do Sul e dos EUA. Os testes têm decorrido num sistema de túneis escavados sob o monte Mantap e os especialis­tas, com base nas imagens de satélite e nas ondas de choque provocadas pela detonação, estavam convencido­s de que o local tinha colapsado depois do último ensaio nuclear. Segundo o porta- voz de Moon, Yoon Young- chan, Kim terá garantido ao homólogo do Sul que não. Além do túnel usado até agora, o líder norte- coreano explicou haver outros dois que continuam “em excelentes condições”.

Ainda sem local marcado – fala- se em Singapura ou na Mongólia como hipóteses mais prováveis –, o encontro de Trump com Kim deverá acontecer dentro de três ou quatro semanas. E o presidente americano deverá reafirmar a necessida- de de desnuclear­izar a Coreia do Norte. A verdadeira questão é o que poderá convencer Kim a entregar o arsenal nuclear depois de em 2017 ter multiplica­do o lançamento de mísseis balísticos, ter feito o sexto ensaio nuclear e ter, por várias vezes, ameaçado diretament­e os EUA.

Se desde que chegou ao poder em 2011, sucedendo ao pai e ao avô, Kim tem procurado aliar o desenvolvi­mento das armas nucleares ao cresciment­o económico do país ( a chamada política byungjin), agora o líder norte- coreano parece ter mudado de estratégia para se concentrar no segundo ponto. No discurso de ano novo, Kim garantiu que o arsenal nuclear norte- coreano está completo e, logo, os EUA nunca poderiam começar uma guerra contra a Coreia do Norte.

Quanto a entregar as armas nucleares, alguns analistas acham que se lhe derem os benefícios económicos certos – além de certas garantias de paz e de segurança –, Kim poderá abdicar do arsenal. “Ele procura o tipo de cresciment­o económico rápido a que assistimos na China”, explicou ao The New York Times ( NYT) Lee Jong- seok. Para este antigo ministro da reunificaç­ão sul- coreano, “a Coreia do Norte que Kim quer é diferente da que o pai dele queria”. Para Lee não há qualquer dúvida de que o líder da Coreia do Norte “está disposto a trocar as armas nucleares pelo bem do desenvolvi­mento económico. Se ele ficasse satisfeito em garantir três refeições por dia ao seu povo, não iria desistir das armas nucleares”.

Mas também há quem, como Lee Sung- yoon, perito em Coreia da Fletcher School of Law and Diplomacy na Tufts University, ache que Kim está apenas a usar uma velha tática: tentar enganar o inimigo com gestos grandiosos em troca de concessões, sem ter qualquer intenção de entregar as armas nucleares. Estas foram descritas pelo próprio Kim Jong- un como as “queridas espadas da justiça” e um “poderoso dissuasor capaz de salvaguard­ar o direito” do seu povo à existência.

Nos últimos tempos, Kim deu passos para desenvolve­r a economia. Pyongyang assiste a um boom na construção e foram criadas algumas zonas económicas especiais onde o líder norte- coreano espera atrair investimen­to estrangeir­o. Mas para isso precisa que as sanções internacio­nais a que o país está sujeito sejam levantadas. E há até quem compare Kim a Deng Xiaoping, o artífice da abertura económica chinesa. “Se Kim se vai tornar no Deng Xiaoping da Coreia do Norte depende de a comunidade internacio­nal, incluindo os EUA e a Coreia do Sul, poder dar garantias de segurança e oportunida­des para o desenvolvi­mento económico de forma a que desnuclear­ize”, explicou ao NYT Cheong Seong- chang, perito sul- coreano do Instituto Sejong.

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal