Eutanásia: um debate sobre a sociedade que queremos
Muito para além das questões éticas, médicas e jurídicas, o debate sobre a eutanásia é um debate sobre direitos humanos, sobre liberdade e autonomia, sobre a vida e sobre a forma como a queremos viver e sobre o modelo de sociedade que queremos.
Esta concretiza- se no acto de antecipar a morte de alguém em situação de grande sofrimento e sem qualquer esperança de cura, em resposta a um pedido do próprio proferido de forma informada, consciente e reiterada. Muito mais do que uma dor ou outro sintoma físico ou psicológico, o sofrimento é uma dependência, uma indignidade, uma ausência de ser, uma falta de sentido. É insuportável viver porque se sofre e porque se é obrigado a sofrer, sabendo que depois do sofrimento só há sofrer.
A vida é um direito, não uma obrigação, e por isso não é aceitável que sejamos forçados a estendê- la para além da nossa vontade. Cada pessoa deve ter o direito a viver de acordo com a sua visão do mundo, não devendo esta ser imposta por terceiros, como agora acontece, em que os doentes se veem impedidos de decidir pela existência de restrições legais, estando o Estado, de uma forma que qualificamos como inconstitucional, a ditar às pessoas o modo como estas devem gerir a sua vida. Em defesa da autonomia e da liberdade, entendo que ser competente e autónomo, significa também ser livre e responsável pelas suas escolhas, o que, nas palavras de Stuart Mill, significa, também, ser- se livre de poder escolher quando e como morrer.
Neste âmbito, o que está em causa não é uma opção entre a vida e a morte, mas sabendo o doente qual o seu destino, uma escolha entre duas formas de morrer, isto é, a escolha entre uma morte livre e digna e uma morte agoniante decorrente da doença. E isto é assim porque não podemos olhar a vida apenas de uma perspectiva meramente biológica porque ela é muito mais do que isso. Está em constante construção. É o resultado das nossas experiências, das nossas escolhas e das nossas convicções. Não se trata de um dom que nos foi dado ou de algo inato. É mutável e vai sendo construída com as opções que tomamos e que nos tornam naquilo que somos.
A sociedade portuguesa debate agora este tema, discussão muitas vezes assombrada por argumentos populistas e alarmistas, que contribuem para poluir a discussão com desinformação e criar o medo, promovidos por quem não vê a eutanásia como uma opção, ao ponto de, ignorando a laicidade do Estado, se trazer por diversas vezes para a discussão argumentos religiosos.
Atendendo à enorme importância dos cuidados paliativos, considero que os mesmos devem ser continuamente melhorados e reforçados. Contudo, estes não eliminam por completo o sofrimento em todos os doentes nem impedem por inteiro a degradação física e psicológica e, em muitos casos, os efeitos associados a estes tratamentos, nomeadamente náuseas e alterações de consciência, podem comprometer a autonomia e a qualidade de vida dos pacientes, pelo que existem doentes que a eles não pretendem recorrer. Assim, a despenalização da morte assistida não conflitua nem exclui os cuidados paliativos, nem implica um menor investimento nesta área.
De igual modo, a morte assistida destina- se a doentes conscientes e lúcidos e cuja vontade foi manifestada expressamente, pelo que, ao contrário do que tem sido defendido, não se está de modo algum a abrir caminho para situações de eutanásia involuntária.
Vejo a despenalização e regulamentação da morte assistida como uma expressão concreta dos direitos individuais à autonomia e à liberdade de convicção e de consciência. Em Portugal, temos feito um cami-