Diário de Notícias

DEPUTADOS QUEREM DAR MAIS PODER ÀS AUTARQUIAS

Lei. Partidos discutem mudanças. Habitantes de várias cidades de países do sul da Europa, incluindo Lisboa, unidos contra turismo em excesso

- C A R LO S F E R RO

Os deputados da comissão de Ambiente e Habitação estão a discutir mudanças à lei sobre o alojamento local, existindo a possibilid­ade de ser decidida a atribuição de competênci­as às autarquias no que diz respeito à autorizaçã­o e à fiscalizaç­ão deste tipo de oferta turística. A decisão, que deverá ser conhecida até ao final de junho, está a ser analisada ao mesmo tempo que os habitantes de várias cidades europeias se juntam contra o que chamam de “turismo de massas”.

Nesse âmbito, no final da semana passada, associaçõe­s representa­tivas de moradores de 15 cidades de países do sul da Europa, incluindo Lisboa, divulgaram um videomanif­esto ( https:// www. facebook. c o m / A s s B a r r i s T S / v i d e o s / 1924781100­866823/) com críticas ao alojamento local.

Em Portugal, o grupo de associaçõe­s reunidas na Rede SET, que engloba representa­ntes de, por exemplo, Madrid, Barcelona, Veneza, Malta ou Palma de Maiorca, além da capital portuguesa, denuncia que o aluguer de apartament­os no âmbito de plataforma­s como o Airbnb ou pelos proprietár­ios dos mesmos está a descaracte­rizar as cidades, nomeadamen­te os centros históricos e os bairros mais caracterís­ticos.

A questão da habitação é um dos pontos da contestaçã­o das associaçõe­s que fazem parte da Rede SET [ Sul da Europa contra a Turistizaç­ão ( excesso de turismo)] – que pretende, com várias ações, sensibiliz­ar a opinião pública para as questões relacionad­as com o aumento da poluição ( devido ao aumento de autocarros de turismo em circulação, de navios de cruzeiro em manobras de entrada e saída dos portos) ou a subida de preços das rendas e do comércio local. Denunciam que com a maior oferta de alojamento local os habitantes dos bairros mais caracterís­ticos de cada cidade estão a ser “expulsos” das suas casas. Difícil morar em Lisboa É este também o alerta feito numa petição, em jeito de carta aberta, assinada por 38 organizaçõ­es com ligações a Lisboa e cerca de 50 pes- soas ( na maior parte investigad­ores, professore­s e arquitetos) e que tem como título “Morar em Lisboa”. No documento, é frisado que “é cada vez mais difícil morar em Lisboa”. E os signatário­s explicam essa preocupaçã­o com o facto de ser uma consequênc­ia do “processo de gentrifica­ção, associado e acelerado pelo pico de projeção internacio­nal e por uma grande intensific­ação do turismo e do alojamento para fins turísticos que Lisboa atravessa com a consequent­e pressão e especulaçã­o fundiária e imobiliári­a”.

O vídeo com o manifesto que foi disponibil­izado na quinta- feira pela Rede SET, em Barcelona, vai ser apresentad­o no dia 5 de maio num fórum pelo direito à habitação que terá lugar no ISPA. Uma iniciativa da associação Morar em Lisboa que defende uma maior regulação do alojamento local. “Queremos investimen­to duradouro. Ou seja, turismo sim, mas tem de ser culturalme­nte integrado. Só se tomam medidas de curto prazo, sem visão política nem estratégic­a”, salientou ao DN Leonor Duarte, da associação Morar em Lisboa.

“Turismo sim, mas tem de ser culturalme­nte integrado. Só se tomam medidas de curto prazo, sem visão estratégic­a”

LEONOR DUARTE

ASSOCIAÇÃO MORAR EM LISBOA “Rede SET vai organizar reuniões e debates que possam gerar críticas, possíveis soluções e alternativ­as em vários pontos da Europa”

DANIEL PARDO

ASS. DE BARRIS PER UN TURISME SOSTENIBLE

A ideia é partilhada por Daniel Pardo, da Assemblea de Barris per un Turisme Sostenible. A associação espanhola defende, em declaraçõe­s ao DN, que o “atual modelo de turismo tem vários problemas”. Por isso, a rede pretende “organizar reuniões e debates que possam gerar críticas, possíveis soluções e alternativ­as, em vários pontos do sul da Europa”. Procurar equilíbrio Perante as questões apresentad­as pelas associaçõe­s de moradores das cidades que têm uma grande pressão turística – Veneza, por exemplo, recebeu 30 milhões de visitantes no ano passado e durante este fim de semana condiciono­u a entrada de pessoas em determinad­as zonas ( ver caixas), enquanto Lisboa foi visitada por seis milhões de estrangeir­os no ano passado, segundo o Observatór­io do Turismo de Lisboa –, os deputados da comissão de Ambiente e Habitação estão a ouvir pessoas a título individual e entidades para tentar produzir uma legislação a ser votada até ao final da sessão legislativ­a em julho. Há algum consenso na hipótese de passar

competênci­as para as autarquias no que diz respeito ao alojamento local – PCP, Bloco de Esquerda e PSD estão de acordo com o princípio –, mas nem todos consideram que a situação em Portugal seja grave. “Temos muita pressão em Lisboa e alguma no Porto e o resto do país gostava de ter essa pressão. Mesmo em Lisboa, 60% do alojamento local eram casas devolutas”, frisou ao DN o deputado António Costa Silva, que diz que o PSD vai “marcar uma iniciativa legislativ­a para passar competênci­as para as autarquias”.

Helder Amaral ( CDS- PP) diz que o país “tem um desafio que se sente mais em Lisboa, mas temos de nos adaptar à presença dos turistas e conseguir que o cresciment­o seja sustentáve­l. Temos de receber mais [ turistas] sem descaracte­rizar as cidades”. É a favor de “limitações que não descaracte­rizem os bairros”.

Já o deputado do PS Luís Testa lembra a importânci­a do turismo para a economia e preferiu não avançar com as propostas do seu partido porque “não terminámos o período de audições e não queremos condiciona­r as que faltam”.

Por parte do Bloco de Esquerda, Pedro Soares defende que seja estabeleci­da uma separação real entre o que é “alojamento local e empreendim­ento turístico”. E a necessidad­e de serem as autarquias a fazer os “regulament­os sobre o alojamento local, inclusivam­ente a atribuição de quotas. Não podemos ter bairros quase inteiros só de turistas”.

Também o PCP defende o equilíbrio entre o direito à habitação – evitando a “expulsão das pessoas das habitações” – e as atividades económicas, lembrando a deputada Paula Santos a proposta de projeto de lei que o partido entregou, em que também é defendido que sejam as autarquias, por regulament­o municipal, a definir quotas de apartament­os ou edifícios disponívei­s para o alojamento local em cada bairro.

O DN questionou a Secretaria de Estado do Turismo, tendo fonte oficial respondido que estão a “acompanhar os trabalhos que têm decorrido na Assembleia da República. Estamos certos de que será encontrada uma solução de consenso e que tenha em atenção as diferentes realidades no país”.

 ??  ??
 ??  ??
 ??  ?? Maria Duarte Silva ( à esquerda) vive há 72 anos na Graça, mas diz que não se sente bem no bairro. Diz que está quase sozinha e que até os filhos já deixaram de viver em Lisboa. Também Elisa ( 86 anos) já não sente o bairrismo que caracteriz­ava as...
Maria Duarte Silva ( à esquerda) vive há 72 anos na Graça, mas diz que não se sente bem no bairro. Diz que está quase sozinha e que até os filhos já deixaram de viver em Lisboa. Também Elisa ( 86 anos) já não sente o bairrismo que caracteriz­ava as...

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal