O estranho caso de como Peppa foi censurada na China
Jovens adultos transformaram personagem em ícone da subcultura marginal. Plataforma online retirou vídeos com a sua imagem
A Porquinha Peppa está a ser vítima do seu sucesso na China. Os desenhos animados pensados para um público pré-escolar foram alvo de censura numa plataforma de vídeos. Ao que explica a imprensa local, a apropriação para fins subversivos motivou este bloqueio parcial.
Mais de 30 mil vídeos de A Porquinha Peppa foram removidos da Douyin, uma aplicação chinesa usada para partilhar vídeos curtos. A hashtag #PeppaPig também foi censurada, informou o jornal estatal Global Times.
Os desenhos animados originais continuam acessíveis online, mas a proibição da Douyin é direcionada ao uso da imagem da personagem porcina para fins considerados subversivos em conteúdos criados pelos utilizadores.
Os desenhos animados britânicos com as aventuras de Peppa, do irmão George e da Ovelha Susie são transmitidos na China desde 2015 e tornaram-se um sucesso: mais de 30 mil milhões de visualizações no site da televisão estatal CCTV e nas plataformas de streaming.
A popularidade é tal que dois parques temáticos Peppa devem abrir em Xangai e Pequim em 2019, no ano do Porco.
Em novembro, contudo, surgiram as primeiras críticas nas redes sociais sobre os efeitos nocivos da febre Peppa. “Pula na cama, no sofá, no chão, nas poças o dia inteiro. E há um ano que faz barulhos de porco todo o dia”, queixava-se uma progenitora da sua criança na rede Weibo. As reações dos outros utilizadores dividiram-se, segundo o Diário do Povo.
Está por estabelecer se foi a partir destas críticas que a moda Peppa deflagrou ou se aconteceu em paralelo. Várias celebridades começaram a partilhar imagens com acessórios e tatuagens temporárias de Peppa. E de um momento para o outro a imagem de Peppa começou a ser usada em memes e em conteúdos não infantis. Os cibernautas começaram a referir-se a Peppa como shehuiren, um eufemismo para marginal. Literalmente, shehuiren significa pessoa da sociedade, mas neste contexto refere-se a pessoas que se opõem aos valores estabelecidos – são o oposto da imagem que o Partido Comunista quer cultivar.
Em janeiro, o Global Times criticou a “distorção” de desenhos animados infantis, incluindo Peppa, com conteúdo violento e obsceno.
A censura da Douyin foi tornada pública através de um documento que está acessível online. Aí também estão listados outros materiais proibidos: sátira aos dirigentes políticos e às instituições governamentais, nudez, homens travestidos, exibição de armas de fogo, sermões religiosos e qualquer coisa que se assemelhe a desrespeitar o yuan, a moeda chinesa.
A censura, da responsabilidade da empresa Bytedance, proprietária da Douyin, vem na sequência da suspensão por três semanas do seu portal agregador de notícias, Jinri Toutiao, por hospedar conteúdo impróprio. À medida punitiva a empresa de tecnologia prometeu juntar a contratação de mais quatro mil censores.
Winnie the Pooh, outra vítima
A Porquinha Peppa não é a primeira personagem infantil e oriunda do Ocidente vítima do labor dos censores. Aconteceu no ano passado, na sequência de memes que compararam a imagem de Winnie the Pooh ao presidente Xi Jinping. O regime comunista não admite que o presidente possa ser ridicularizado, ainda que associado a uma figura simpática.
“No ambiente severo da China é difícil criticar diretamente qualquer coisa, então usam fórmulas indiretas para fazer humor. A Porquinha Peppa deve ensinar às crianças sobre a importância da família, o que é bastante aceitável para a cultura chinesa, mas o facto de que os jovens a transformaram em algo associado a um bandido ou criminoso é o oposto do que Xi Jinping queria que a China fosse”, comenta Haiqing Yu, especialista em cultura e digital media chineses do Instituto Real de Tecnologia de Melbourne à SBS News.