JULIA SAMOYLOVA
A CONCORRENTE QUE NUNCA TINHA VISTO O OCEANO
“Primeiro fui ao Oceanário, depois vi o oceano. Uau! O meu sonho tornou-se realidade.” A história é contada na primeira pessoa por Julia Samoylova, 29 anos, ao DN, depois do primeiro ensaio na Altice Arena, em Lisboa. “É difícil descrever, tão grande e poderoso.”
Julia Samoylova não decorou o nome do lugar onde viu o Atlântico. Mas sabe, tal como a equipa, que dali se via o cabo da Roca e que havia muitos surfistas na água. “Foi a primeira vez que vi o oceano. Já tinha visto o mar e pensei que era o mesmo, mas não, não é similar, é assustador mas também convidativo. Dá vontade de ir. Acreditamos em contos de fadas, sereias”, diz, com a ajuda de uma tradutora. A artista canta em inglês, mas não fala a língua.
O assunto veio à conversa durante a conferência de imprensa, uma vez que Julia canta em inglês na Eurovisão. A canção chama-se IWon’t Break. “Percebo-a perfeitamente”, garantiu. A canção foi escrita por Netta Nimrodi, Leonid Gutkin e Arie Burshtein, que veio em defesa da canção explicando que foi escrita em inglês e que é biográfica. A letra fala em não desistir e manter o coração no comando.
“Gosto mais desta canção do que da do ano passado”, admitiu em entrevista ao DN. Julia Samoylova tinha sido escolhida há um ano para representar a Rússia na final da Eurovisão na Ucrânia, mas foi vetada por ter atuado na Crimeia (o país ficou fora da competição). Neste ano repetiram o convite. “É próximo do que sinto”, aceita a artista. Desde pequena sofre de uma doença hereditária que lhe provocou atrofia muscular que a obriga a andar de cadeira de rodas. “Mas esta canção pode falar para qualquer pessoa. Todas as pessoas se devem sentir confiantes, plenas. Mesmo que nos digam que nada vai funcionar e que somos uns perdedores, se formos confiantes e acreditarmos que tudo pode sair bem, então tudo pode sair bem”, considera.
Após uma atuação numa festa pré-eurovisiva em que a sua performance não foi nada consensual, e até recebeu muitas críticas nos sites que seguem a Eurovisão, a expecta- tiva dos fãs acreditados para o evento, em Lisboa, era grande. A sala de imprensa calou-se para a ouvir, no topo de um pedestal.
As palmas, mesmo que não tão efusivas como em outros casos, fazem acreditar que a Rússia tem hipóteses de se manter invicta no que às semifinais da Eurovisão diz respeito. Desde que começou a participar, o país passou sempre à final. A Rússia traz a canção I Won’t Break à segunda semifinal do Festival da Eurovisão, que se realiza no dia 10. A final está marcada para o dia 12 de maio, a partir da Altice Arena.
Palavra à artista: “Estava realmente nervosa e preocupada, porque quando fazemos parte de uma competição, o primeiro ensaio é essencial.” “Correu realmente bem, senti-me confortável e bem em palco.” Julia Samoylova atua a partir de uma plataforma elevada, acompanhada por dois bailarinos. “Achei brilhante a ideia de parecer que estou numa montanha. De outra forma, sentir-me-ia perdida em palco.”
Para a artista russa, natural da cidade de Ukhta, no noroeste da Rússia, a Eurovisão não é o primeiro palco de grandes dimensões que pisa. Além de ter participado na versão russa de Factor X, cantou na abertura dos Jogos Paralímpicos de Sochi, em 2014. “Sou muito perfeccionista. Sempre preocupada com a maneira como estava a cantar. Vi todos os meus erros e tudo o que precisa de ser corrigido.” O quê, pergunta-se. “Algumas coisas na parte vocal. Na sala de visionamento, quando estava a rever a atuação, vi como me devia comportar e como devia mostrar as minhas emoções.”
Nos últimos quatro anos, entre ter entrado dentro de todas as casas na abertura dos Paralímpicos e a Eurovisão passaram cerca de quatro anos de atuações e concertos, e também de alguma composição. Julia conta que se tem atrevido a escrever as suas próprias canções, incentivada por uma artista que lhe merece credibilidade, Alla Pugachova, a mais famosa cantora russa segundo os membros da delegação. “Devias mostrar as tuas canções”, disse-lhe. São as últimas que lançou na Rússia e que sairão num álbum no início de junho.