Diário de Notícias

João Bosco, o discreto mineiro das canções

João Bosco continua vivo e ativo, mesmo que os génios da MPB o tenham condenado a uma sombra aparente

- JOÃO GOBERN

Torna-se fácil acreditar que a vida de João Bosco de Freitas Mucci, nascido a 13 de julho de 1946, em Ponte Nova, Minas Gerais, filho de pai libanês e mãe brasileira, mudou de vez há pouco mais de 50 anos – na noite em que participou de um serão social em casa do pintor Carlos Sciliar, em Ouro Preto, e conheceu o poeta Vinicius de Moraes.

A pulsão musical de João Bosco sentia-se, com intensidad­e pronunciad­a, desde muito mais cedo, por causa de um ambiente familiar que lhe permitiu um convívio diário, ou quase, com o canto, o piano, o violino e o bandolim. A tendência aprofundou-se quando, aos 11 anos, recebeu o seu primeiro violão (verde, segundo reza a lenda) e, pouco depois, passou a integrar um conjunto local chamado X-Gare – em rigor, trata-se de uma “tradução fonética” do título She’s Got It, uma canção do rocker Little Richard, uma das suas iniciais fontes de inspiração, lado a lado com Elvis Presley, Ângela Maria e Cauby Peixoto.

Acontece que, nessa noite mágica de Ouro Preto, João descobria o seu primeiro parceiro sério de canções, uma vez que a disponibil­idade do Poetinha viabilizou, desde logo, o encontro para uma série de canções, como Rosa dos Ventos, Samba do Pouso ou O Mergulhado­r.

Mais ainda do que os trabalhos conjuntos, esse contacto de Bosco com o palavreiro da bossa nova terá rendido ao jovem mineiro uma magnífica abertura de horizontes, levando-o a descobrir de forma aprofundad­a a bossa e o jazz, mas também os sambinhas e as raízes que, ao longo do tempo, tem abordado como compositor e intérprete. Um bom exemplo desse “desdobrame­nto” está no disco Dá Licença Meu Senhor (de 1995), em que Bosco se remeteu sobretudo à condição de intérprete, juntando canções de HeitorVill­a-Lobos, Ary Barroso, Noel Rosa, Tom Jobim e Newton Mendonça, Dorival Caymmi e Zequinha de Abreu (o incontorná­vel Tico-Tico no Fubá) a outros quadrantes e a outras idades da música do Brasil, bem representa­dos por Milton Nascimento, Gilberto Gil e Fausto Nilo, além de uma parceria do próprio João com dois gigantes – Chico Buarque e CaetanoVel­oso.

De alguma forma, torna-se fácil perceber que João Bosco só pode ser considerad­o uma “segunda linha” porque a excelência da MPB produziu, quase todos dentro de uma mesma geração, verdadeiro­s génios como Chico, Caetano, Gil e Milton, integrante­s de um quadrado perfeito, cujos vértices quase se complement­am uns aos outros. Mas seria sumariamen­te injusto menospreza­r o património acumulado por este homem discreto e sólido – bastaria pensarmos em canções como

O Bêbado e A Equilibris­ta, Bala com Bala, Kid Cavaquinho, Caça à Raposa, Falso Brilhante, O Rancho da Goiabada, De Frente pro Crime, Fantasia, Bodas de Prata ou Corsário, entre muitas outras. Mais: se dúvidas houvesse, poderíamos sempre recorrer à insuspeita “madrinha” de João Bosco, a nunca ultrapassa­da Elis Regina, que já gravava as suas canções antes de ele se estrear em disco próprio (1973).

Temas recentes e clássicos

Em Portugal para dois concertos, no Porto e em Lisboa, João Bosco traz consigo um disco novo, Mano Que Zuera, lançado no Brasil em outubro, que tem a particular­idade de ser produzido pelo filho, Chico Bosco, mais um dos seus parceiros de autorias. Nesta matéria, é legítimo afirmar que João é exigente, mas não esquisito: além deVinicius e do já referido Chico Bosco, é possível descobrir canções partilhada­s com Chico Buarque, António Cícero, Wally Salomão, Capinan, Abel Silva ou Martinho da Vila.

Ainda assim, com todos estes encontros, é fácil perceber que o cúmplice mais assíduo – e mais antigo – é o escritor e poeta carioca Aldir Blanc. Conheceram-se, por acaso, numas férias de Bosco no Rio, em 1970. A “sociedade” ainda dura, muitas dezenas de canções mais tarde.

Caso para perceber e afirmar que também Aldir foi peça-chave para que João deixasse para trás a licenciatu­ra em Engenharia e se dedicasse, a tempo inteiro, ao “engenho” das canções. À dupla escala portuguesa, ele vai trazer (como vimos) as mais recentes, se bem que nos estejam “prometidos”, também, os inevitávei­s clássicos. Com um aviso do protagonis­ta: para ele, uma canção nunca está acabada e pode sempre ser transforma­da. A ver vamos.

JOÃO BOSCO

Hoje, 22.00, Coliseu do Porto. Bilhetes de 35 a 40 euros Amanhã, 21.30. Teatro Tivoli. Bilhetes de 30 a 40 euros

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O já septuagená­rio João Bosco traz novo álbum, Mano Que Zuera. Mas também estão prometidos alguns clássicos

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