Jim Mcbride “Estava apenas a tentar fazer bons filmes”
Jim McBride estará hoje à noite na Cinemateca (21.30) para apresentar o seu primeiro trabalho de realização, David Holzman’s Diary, produzido em 1967. Antes falou com o DN sobre este filme que, para além dos seus ecos nos caminhos de algum cinema do século XXI – trata-se de uma experiência pioneira na fronteira documentário/ficção –, é também um símbolo exemplar da vanguarda cinéfila americana da década de 1960. David Holzman’s Diary surgiu num fascinante contexto de criatividade e experimentação que são indissociáveis das alternativas criadas por equipamentos de rodagem que, na sua “pequenez” física, facilitavam o registo de imagens e sons. David Holzman, personagem central e narrador do filme, começa por nos apresentar tais equipamentos (a câmara Eclair e o mítico gravador Nagra) como inerentes ao seu projeto. A saber: registar um diário que funcione como uma espécie de hiato emocional entre o facto de ter sido despedido do seu trabalho e um possível recrutamento para combater no Vietname. Nascido em 1941, em Nova Iorque, Jim McBride viria a tornar-se especialmente conhecido através de Breathless/O Último Fôlego (1983), com Richard Gere e Valérie Kaprisky.
Mais de meio século depois, como é que encara David Holzman’s Diary: uma experiência formal ou uma espécie de autorretrato? Não é um autorretrato. É o retrato de uma personagem fictícia, de nome David Holzman, que encarna alguns pensamentos e preocupações que, nessa altura, me marcavam. Era o tempo das novas técnicas ligeiras (câmaras Eclair, gravadores Nagra). Qual a sua importância na definição conceptual do filme? Foi esse tipo de equipamento ligeiro, juntamente com novas películas, mais sensíveis, que tornou possível entrar em situações de vida real e filmar sem perturbar de modo significativo o que estava a acontecer. Foram essas técnicas que levaram alguns realizadores a pensar que seria possível captar a “verdade” num filme. Parece-lhe haver algum paralelo entre tais técnicas e algumas câmaras digitais do presente? As possibilidades criadas pelos novos equipamentos digitais tornam a filmagem da realidade infinitamente mais fácil. Mas não fazem que a própria “verdade” seja mais acessível do que antes. Mais tarde, as referências ao trabalho de Godard foram, obviamente, a motivação central para o seu Breathless. Continua a seguir o seu trabalho? Vi Filme Socialismo e Adeus à Linguagem – interessa-me sempre aquilo que ele faz.
Filmes como Breathless ou The Big Easy eram também tentativas pessoais de revitalizar o espírito da produção de “série B”? “B” tem algo de depreciativo. Estava apenas a tentar fazer bons filmes. Duas frases deste tempo são: “a televisão está a matar o cinema” e “o cinema renasce através da televisão”. Há alguma verdade em alguma delas? “O cinema renasce através da televisão” é algo que me soa bem. A televisão e os serviços de streaming estão a oferecer cada vez mais possibilidades para um número crescente de pessoas fazerem cada vez mais filmes de géneros muito diversificados. Alguns deles terão novas propostas e ideias. Alguns deles serão bons filmes.
“As possibilidades criadas pelos novos equipamentos digitais tornam a filmagem da realidade infinitamente mais fácil”