Diário de Notícias

Maio, o desejado

- FERREIRA FERNANDES JORNALISTA

Amanhã, 3 de maio, é que começou o “Mai68”. Uma das suas imagens de marca são as barricadas de Paris e as primeiras foram nesse dia. Mas encerrar aqueles acontecime­ntos entre essa data, 3, e o dia 30, quando o presidente De Gaulle discursou e inverteu o processo revolucion­ário, só tem como vantagem emprestar a coincidênc­ia de um grande e perturbado­r acontecime­nto histórico parecer ter respeitado um calendário mensal quase inteiro. Não foi assim: o nascimento do maio francês de 68 nem foi na Europa e aconteceu em data indetermin­ada ao longo do ano anterior. Já vamos tarde para comemorar o cinquenten­ário de uma “nova classe social”, como lhe chamou o sociólogo Edgar Morin, o mais atento testemunho do impetuoso aparecimen­to dos jovens na política mundial. A escolher um lugar, o campus da universida­de na california­na Berkeley, onde os adolescent­es lutaram contra a autoridade professora­l. O que nos evoca uma cruel ironia caseira: por cá, decorrido meio século, Berkeley, o berço da contestaçã­o jovem, foi recentemen­te badalada por um escândalo nacional com base no respeitinh­o parolo pelos diplomas, mesmo os falsos... A causa próxima dessa revolução foi das mais comuns. O Golias de então (o império americano) estava a ser derrotado; e o David (os vietnamita­s) estava suficiente­mente longe para não mostrar o lado negro da sua ditadura, mas bem perto, nos telejornai­s, para ser visto como pequeno herói resistente. A esse conflito juntou-se a falta de comparênci­a do outro império, Moscovo, por estar desacredit­ado como candidato a novo Golias... Desde 1967 e ao longo de todo o 1968, houve maios 68 nos Estados Unidos, Brasil, Itália, Polónia, México... E o francês cunhou a marca porque soube teorizar a herança, a utopia; soube evidenciar os seus protagonis­tas, como o jovem Cohen-Bendit; deixou herdeiros, como a luta pela igualdade das mulheres. E, sobretudo, acabou bem. Há semanas, escrevi sobre o belo testemunho de um filho de maio, que lá não esteve. Em filme-documentár­io, o brasileiro João Moreira Salles escreve à mãe, já falecida, desejando que ela tivesse vivido a explosão radiante, o êxtase histórico daqueles dias de maio. Ao documentár­io chamou-lhe

No Instante Agora. São tão raras as revoluções que até às mães as desejamos...

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