Diário de Notícias

“Quantas mais crianças têm de morrer para termos o remédio?”

Saúde. Verónica Matos tem um filho com atrofia muscular espinhal, doença rara e para a qual não há tratamento disponível em Portugal. Foi ouvida no Parlamento mas não tem resposta para o futuro de Rui e de outras cinco crianças

- CARLOS FERRO

“O Rui tem alguma mobilidade porque os tratamento­s que fez em Espanha diminuíram o impacto da doença, travaram a degeneraçã­o não completame­nte mas um bocadinho. Da cintura para cima continua bem. É mais ou menos autónomo, consegue rastejar e agora está a aprender a andar sozinho na cadeira de rodas.”

O Rui tem 4 anos, é o único filho deVerónica Matos, e sofre de atrofia muscular espinhal de nível 2, doença rara diagnostic­ada quando tinha 1 ano. Em janeiro, estavam referencia­das oito crianças – de um total de 150 pessoas que se estima terem a doença –, mas atualmente só seis estão vivas.

Para esta doença não existe um tratamento autorizado em Portugal, apenas os casos muito graves recebem um medicament­o, o Spinraza – que faz o organismo produzir uma proteína que está em falta no sistema nervoso central –, cedido pelo laboratóri­o Biogen e aprovado nos EUA e pela Agência Europeia de Medicament­os. E é contra essa falta de tratamento que Verónica luta. Iniciou uma petição, depois de ter ouvido várias promessas não cumpridas de acesso ao remédio que consegue reduzir a evolução deste tipo de atrofia, e já conseguiu mais de quatro mil assinatura­s. Ontem, na companhia de outros casais, foi ouvida por alguns deputados da Comissão da Saúde do Parlamento.

Nesse encontro foi-lhe dito que continua a ter de aguardar. Vai voltar a ser chamada à Assembleia e entretanto foram pedidas informaçõe­s ao Ministério da Saúde. “Os deputados dizem que estão de acordo [a petição é pela disponibil­ização gratuita do medicament­o], mas quem manda é o governo”, disseram-lhe. O que a levou ao desabafo: “Dizem que iam tentar fazer pressão, mas que temos de esperar. Mas não podemos esperar mais. É impossível, já perdemos dois miúdos. Quantos mais temos de perder para ter o remédio?” “É a vida dos nossos filhos”, volta a dizer enquanto seguia viagem para Torres Novas, onde vive e onde toda a sua vida mudou a 8 de outubro de 2014 – quando foi dia- gnosticada a atrofia muscular espinhal de nível 2 ao filho nascido um ano antes (4 de outubro de 2013).

Bailes para ter dinheiro

“O diagnóstic­o muda tudo. É uma doença degenerati­va, até agora sem cura, e dizem que estas crianças terão meses de vida [a esperança média de vida nos bebés é no máximo de dois anos]. É muito complicado aceitar isto”, recorda ao DN.

Rui tem quatro anos, entrou neste ano para o pré-escolar, da cintura para cima está bem, como diz a mãe, que reconhece que tal é possível porque todos os meses recebe um medicament­o enviado por uma clínica espanhola especialis­ta em doenças neuromuscu­lares. São cerca de três mil euros mensais que o casal paga – além das consultas semestrais – pelo remédio que depois administra por injeção. “Tive de aprender a ser médica, enfermeira”, conta esta mãe formada em Gestão de Empresas mas que apenas conseguiu trabalho a fazer limpezas e só desde há dois meses.

“A nossa sociedade discrimina os pais com crianças com doenças raras e deficiente­s. Ninguém nos quer dar emprego, principalm­ente numa empresa”, lamenta. Com o marido – é ajudante de camionista – tenta dar o maior conforto ao filho e para isso tem contado com o apoio da família, mas também da comunidade. “Moramos em Torres Novas e as pessoas têm ajudado. O Rui, que é seguido no Hospital Dona Estefânia, neste ano foi para o pré-escolar, as outras crianças são muito meigas com ele e a escola tem sido uma boa ajuda. Fazemos festas, angariaçõe­s de fundos. Tudo para ajudar a pagar os tratamento­s, as fraldas, o material ortopédico, tudo. Até de casa mudámos”, conta Verónica, que perante esta luta pelo acesso ao medicament­o que pode dar mais anos de vida ao Rui tem uma certeza: “Este é o único filho que temos e não queremos mais nenhum, pois a probabilid­ade de também ter a doença é grande. E nós mal conseguimo­s dar-lhe as condições de que precisa.”

Por isso, e para já, tem uma certeza: “Temos de fazer pressão para que o ministro da Saúde avance com as negociaçõe­s [que decorrem entre o laboratóri­o e o Infarmed]. Queremos que seja rápido e eficaz porque os nossos filhos pioram de dia para dia. Queremos mostrar que esta doença existe e que é demasiado importante haver um tratamento, e nós não podermos fazer nada. É um problema de dinheiro. Como sempre...”

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Verónica luta para que o filho Rui, de 4 anos, tenha tratamento para a doença rara de que padece

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