“Quantas mais crianças têm de morrer para termos o remédio?”
Saúde. Verónica Matos tem um filho com atrofia muscular espinhal, doença rara e para a qual não há tratamento disponível em Portugal. Foi ouvida no Parlamento mas não tem resposta para o futuro de Rui e de outras cinco crianças
“O Rui tem alguma mobilidade porque os tratamentos que fez em Espanha diminuíram o impacto da doença, travaram a degeneração não completamente mas um bocadinho. Da cintura para cima continua bem. É mais ou menos autónomo, consegue rastejar e agora está a aprender a andar sozinho na cadeira de rodas.”
O Rui tem 4 anos, é o único filho deVerónica Matos, e sofre de atrofia muscular espinhal de nível 2, doença rara diagnosticada quando tinha 1 ano. Em janeiro, estavam referenciadas oito crianças – de um total de 150 pessoas que se estima terem a doença –, mas atualmente só seis estão vivas.
Para esta doença não existe um tratamento autorizado em Portugal, apenas os casos muito graves recebem um medicamento, o Spinraza – que faz o organismo produzir uma proteína que está em falta no sistema nervoso central –, cedido pelo laboratório Biogen e aprovado nos EUA e pela Agência Europeia de Medicamentos. E é contra essa falta de tratamento que Verónica luta. Iniciou uma petição, depois de ter ouvido várias promessas não cumpridas de acesso ao remédio que consegue reduzir a evolução deste tipo de atrofia, e já conseguiu mais de quatro mil assinaturas. Ontem, na companhia de outros casais, foi ouvida por alguns deputados da Comissão da Saúde do Parlamento.
Nesse encontro foi-lhe dito que continua a ter de aguardar. Vai voltar a ser chamada à Assembleia e entretanto foram pedidas informações ao Ministério da Saúde. “Os deputados dizem que estão de acordo [a petição é pela disponibilização gratuita do medicamento], mas quem manda é o governo”, disseram-lhe. O que a levou ao desabafo: “Dizem que iam tentar fazer pressão, mas que temos de esperar. Mas não podemos esperar mais. É impossível, já perdemos dois miúdos. Quantos mais temos de perder para ter o remédio?” “É a vida dos nossos filhos”, volta a dizer enquanto seguia viagem para Torres Novas, onde vive e onde toda a sua vida mudou a 8 de outubro de 2014 – quando foi dia- gnosticada a atrofia muscular espinhal de nível 2 ao filho nascido um ano antes (4 de outubro de 2013).
Bailes para ter dinheiro
“O diagnóstico muda tudo. É uma doença degenerativa, até agora sem cura, e dizem que estas crianças terão meses de vida [a esperança média de vida nos bebés é no máximo de dois anos]. É muito complicado aceitar isto”, recorda ao DN.
Rui tem quatro anos, entrou neste ano para o pré-escolar, da cintura para cima está bem, como diz a mãe, que reconhece que tal é possível porque todos os meses recebe um medicamento enviado por uma clínica espanhola especialista em doenças neuromusculares. São cerca de três mil euros mensais que o casal paga – além das consultas semestrais – pelo remédio que depois administra por injeção. “Tive de aprender a ser médica, enfermeira”, conta esta mãe formada em Gestão de Empresas mas que apenas conseguiu trabalho a fazer limpezas e só desde há dois meses.
“A nossa sociedade discrimina os pais com crianças com doenças raras e deficientes. Ninguém nos quer dar emprego, principalmente numa empresa”, lamenta. Com o marido – é ajudante de camionista – tenta dar o maior conforto ao filho e para isso tem contado com o apoio da família, mas também da comunidade. “Moramos em Torres Novas e as pessoas têm ajudado. O Rui, que é seguido no Hospital Dona Estefânia, neste ano foi para o pré-escolar, as outras crianças são muito meigas com ele e a escola tem sido uma boa ajuda. Fazemos festas, angariações de fundos. Tudo para ajudar a pagar os tratamentos, as fraldas, o material ortopédico, tudo. Até de casa mudámos”, conta Verónica, que perante esta luta pelo acesso ao medicamento que pode dar mais anos de vida ao Rui tem uma certeza: “Este é o único filho que temos e não queremos mais nenhum, pois a probabilidade de também ter a doença é grande. E nós mal conseguimos dar-lhe as condições de que precisa.”
Por isso, e para já, tem uma certeza: “Temos de fazer pressão para que o ministro da Saúde avance com as negociações [que decorrem entre o laboratório e o Infarmed]. Queremos que seja rápido e eficaz porque os nossos filhos pioram de dia para dia. Queremos mostrar que esta doença existe e que é demasiado importante haver um tratamento, e nós não podermos fazer nada. É um problema de dinheiro. Como sempre...”