Diário de Notícias

Quem nunca viu uma baleia em casa dos avós?

Leonor Keil leva ao Maria Matos um novo espetáculo para crianças, em colaboraçã­o com Rui Catalão ou Bruno Pernadas

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TEATRO “Sabes que a Sophia de Mello Breyner disse que a casa dos avós era tão grande, tão grande, que no hall de entrada caberia o esqueleto de uma baleia?” Foi um amigo quem contou a história a Leonor Keil que, quando entrou naquela casa em pleno Campo Alegre, que hoje pertence à Faculdade de Ciências do Porto, encontrou realmente um esqueleto de baleia, ali posto para uma exposição. A bailarina e coreógrafa acabara de ler UmaVida Imaginária, de David Malouf, e esta era a imagem de que precisava para pôr em marcha o espetáculo que viria a chamar-se precisamen­te Um Esqueleto de Baleia na Casa dos Avós, que hoje se estreia no Teatro Maria Matos, em Lisboa.

“Todos nós temos essas memórias de casa dos nossos avós, onde tudo é permitido, onde nos dão mais espaço para podermos sonhar, imaginar, para concretiza­rmos essas imagens oníricas que nós temos”, diz a bailarina, depois do ensaio. A imaginação na infância é colossal, como o homem perante a baleia: uma vida maior do que a vida. E é esse lugar, povoado nos primeiros anos por amigos imaginário­s, que Keil dança, num espetáculo criado num coletivo formado por Rui Catalão, no apoio à dramaturgi­a, Bruno Pernadas, que assina a música, Carlota Lagido, que concebeu os figurinos mutantes que vão ditando o movimento de Leonor, sozinha em palco, e Cristóvão Cunha, que a ilumina.

A bailarina parece ser simultanea­mente a baleia e a criatura que a descobre, experiment­ando o mundo entre uma e a outra. “O Rui Catalão diz que existe quase uma memória como se a baleia tivesse sido humana, no princípio. Ela suicida-se, quando está triste, mesmo as suas caracterís­ticas de personalid­ade são curiosas: é calma, conversa, canta, tem todo um processo de namoro.”

O ritmo do espetáculo é aquele que o mundo leva para se mostrar aos olhos de uma criança. “Eu tenho dois filhos e desde pequeninos que lhes digo: Agora vamos brincar ao National Geographic. É ficarmos quietinhos e olharmos, vermos, percebermo­s os bichos e as coisas, e não interferir­mos; não precisamos de atuar, e se o fizermos que seja com muito respeito. Acho que hoje em dia não se tem tanto tempo para esse National Geographic, para olhar só, para pensar estando mais à escuta, que também é uma forma de participar”, diz Leonor, a cuja vida este espetáculo, que se segue a Bianca Branca, parece estar profundame­nte ligado, das baleias dos Açores onde nasceu, à imaginação que cabe no sótão dos avós ou nessa África em que passou alguns anos da infância. Um local “onde o espaço é grande e ao ar livre, e onde eu não precisava de imaginar assim tanto, subia às árvores e via seres em cima das árvores, tinha diálogos com eles”. Um Esqueleto de Baleia na Casa dos Avós é uma espécie de subida às árvores. M.P. UM ESQUELETO DE BALEIA NA CASA DOS AVÓS

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