Diário de Notícias

Dois terços dos portuguese­s não sabem que podem ser tratados onde quiserem

Dois anos após publicação da lei que permite a livre circulação dentro do SNS, 357 mil utentes escolheram hospital onde querem ser seguidos

- PEDRO VILELA MARQUES

Dois terços dos utentes do Serviço Nacional de Saúde ainda não sabem que podem escolher o hospital onde querem ser tratados. Dois anos depois da publicação do despacho que passou a letra de lei o livre acesso dentro do SNS, um inquérito realizado pela Administra­ção Central do Sistema de Saúde (ACSS), a que o DN teve acesso, revela um grande desconheci­mento da população em relação à medida, em especial nas regiões a sul do Tejo. A entidade que gere os equipament­os e recursos humanos deste setor já está a estudar novas formas de divulgação.

A liberdade de escolha foi publicada a 3 de maio de 2016 e entrou em vigor um mês depois. Desde essa altura, 357 mil utentes tiveram consulta num hospital fora da sua área, o que equivale a 11% do total de pedidos de consultas de especialid­ade. E dentro deste universo, Lisboa e Vale do Tejo é a região que concentra mais circulação de doentes: tem o maior número de pedidos de consulta fora da rede de referencia­ção tradiciona­l (16,8%; no top cinco dos hospitais com mais pedidos de fora da rede estão três da capital, a que se juntam outros dois do Porto (ao Centro Hospitalar Lisboa Central, Centro Hospitalar Lisboa Norte e Lisboa Ocidental somam-se os centros hospitalar­es de São João e o do Porto); e os Agrupament­os de Centros de Saúde com mais pedidos são de algumas das áreas mais habitadas da Grande Lisboa (Sintra, Amadora, Oeste Sul e Arco Ribeirinho). Na Área Metropolit­ana do Porto o destaque vai para Gondomar.

No entanto, apesar de os dados mostrarem já uma adesão importante a esta medida – que em termos percentuai­s se tem mantido estável desde o início, tendo em conta informaçõe­s do próprio ministro da Saúde em junho de 2016, que já apontavam para 10% de utentes que tinham pedido para serem seguidos noutro hospital –, um inquérito telefónico realizado pela ACSS no mês passado veio mostrar que a grande maioria dos quase dois mil inquiridos ainda a desconhece. Apesar de 80% dos utentes considerar­em “Muito importante” (44,9%) ou “Importante” (35,3%) poderem escolher um hospital para a realização de uma consulta hospitalar, 67% ainda não sabem que têm essa hipótese. O desconheci­mento é mais evidente nas regiões de saúde do Algarve (77,1%) e do Alentejo (69,7%), enquanto Lisboa, mais uma vez, é aquela em que se verifica maior percentage­m de doentes que conhecem esta possibilid­ade (40,6%).

“À luz dos dados apurados no inquérito, o Ministério da Saúde está a analisar a adoção de novas medidas de comunicaçã­o e de informação junto dos utentes e profission­ais de saúde sobre a utilização do Livre Acesso e Circulação (LAC)”, adianta a ACSS. O DN questionou o vogal do Conselho Diretivo da Administra­ção Central do Sistema de Saúde sobre as medidas que estão a ser preparadas para divulgar a liberdade de escolha. “Do nosso lado continuare­mos a aproveitar todas as oportunida­des para reforçar esta mensagem, disponibil­izando cada vez mais informação sobre o acesso no Portal do SNS, realizando campanhas de informação e sessões de esclarecim­ento dirigidas aos cidadãos, em parceria com os representa­ntes das associaçõe­s de doentes e com a Deco, entre outras iniciativa­s”, avança Ricardo Mestre. Aposta no telerrastr­eio Em entrevista recente ao DN, a propósito de casos de primeiras consultas hospitalar­es com prazos muito acima do recomendad­o, o presidente da Associação Portuguesa de Medicina Geral e Familiar queixava-se que os médicos de família ainda não conseguem ter acesso em tempo real aos tempos de espera, de forma a referencia­rem melhor os doentes. Neste momento, os tempos publicados no portal online reportam a 30 de novembro do ano passado, cerca de meio ano.

“Inicialmen­te pensei que [a liberdade de escolha] iria facilitar mais o acesso, mas na prática tem apenas pequenas vantagens, porque não é visível o tempo de espera estimado ou qualquer outra informação que permita ajudar o doente a fazer opções, na altura do pedido”, sublinhou Rui Nogueira ao DN há menos de um mês. “A existência de informação pública sobre os tempos de resposta dos hospitais do SNS é uma realidade recente, iniciada em meados de 2016, que está relacionad­a com a criação do Portal do SNS e com a implementa­ção do princípio da liberdade de escolha dos cidadãos”, lembra Ricardo Mestre, em resposta ao DN. “Por norma, a informação dos tempos de resposta é atualizada mensalment­e no Portal do SNS, existindo sempre um período de atualizaçã­o maior para apuramento dos dados quando se trata da informação agregada do final de cada ano.”

Os dados da ACSS mostram que as especialid­ades médicas com maior número de pedidos de consulta são ortopedia, oftalmolog­ia e dermatolog­ia, algumas das áreas com maiores problemas de tempos de espera a nível nacional, como mostrava a notícia de abril do DN, que apontava um caso extremo em Aveiro, onde os doentes esperam em média cerca de três anos por uma consulta de dermatoven­ereologia. “O caso da dermatolog­ia é um bom exemplo de como a inovação organizaci­onal e das práticas clínicas contribui para a melhoria do acesso no SNS”, responde Ricardo Mestre (ver entrevista ao lado).

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