A partir de amanhã, a Cinemateca propõe uma viagem pelas relações entre cinema e fotografia, de Lumière a Abbas Kiarostami
JOÃO LOPES O cinema é a fotografia em movimento... Eis uma frase tão antiga quanto o próprio cinema. Com ela definimos essa descoberta que maravilhou os nossos antepassados, em finais do século XIX: subitamente, as imagens fixas... moviam-se. Mas será que tal proeza esgotou as relações entre filmes e fotografias? A partir de amanhã, e durante todo o mês de maio, a Cinemateca propõe um ciclo para nos ajudar a compreender que, afinal, o cinema, consagrado como a arte dos 24 fotogramas por segundo, mantém uma relação regular, por vezes obsessiva, com os poderes fotográficos. Para sublinhar tal relação, o ciclo chama-se mesmo “24 Imagens – Cinema e Fotografia” (com uma segunda parte prevista para junho).
O filme escolhido para abertura (dias 7 e 14) não poderia ser mais simbólico: Blow-Up – A História de Um Fotógrafo (1966), de Michelangelo Antonioni, é uma matriz moderna da própria arte de fixar o mundo através de imagens. Acompanhamos as atribulações do fotógrafo interpretado por David Hemmings e deparamos com uma inquietação primordial: afinal, ao registar o mundo, ele está a reproduzir ou a recriar a realidade? E, nesse processo, onde está a verdade?
Através da sua excelência cinematográfica, alguns títulos contêm situações que adquiriram vida própria, simbolizando, justamente, o misto de certeza e especulação, reconhecimento e sonho, que uma imagem pode gerar. Lembremos o fotógrafo interpretado por James Stewart, em 1954, no clássico Janela Indiscreta, de Alfred Hitchcock (dias 12 e 21): o que ele vê do outro lado do pátio do seu apartamento é um crime ou apenas um delírio do seu olhar? Lembremos também a obra-prima absoluta de Ingmar Bergman, Persona (dias 26 e 29), curiosamente do mesmo ano de Blow-Up: a criança que toca o ecrã com um rosto de mulher parece ilustrar o nosso desejo mais insensato. A saber: a possibilidade de tatear as imagens.
Sem obrigação cronológica, o ciclo cruza obras de datas distantes: o objetivo é mostrar como a permanente reinvenção (técnica ou temática) das imagens nos mantém em contacto com os seus poderes fundadores. Exemplar será a sessão que começa com o filme de um minuto Saída do Pessoal Operário da Fábrica Confiança (1896), de Aurélio Paz dos Reis, título pioneiro do cinema português; seguir-se-á uma antologia de filmes dos irmãos Lumière (1895-1899) e Cinema e Vento e Fotografia – Sete Capítulos sobre o Documentário (1991), “filme-ensaio” do alemão Hartmut Bitomsky que parte dos Lumière para refletir sobre os poderes figurativos das imagens fixas ou em movimento (dia 10).
Sob Céus Estranhos (2002) e Fábrica (2013), ambos de Daniel Blaufuks (dia 17) ou Letter to Jane (1972), de Jean-Luc Godard (dia 22), são algumas das preciosidades do ciclo. Sem esquecer 24 Frames (2016), filme póstumo do iraniano Abbas Kiarostami (dias 7 e 10), experiência de manipulação de fotografias através dos novos recursos digitais. Na singeleza do seu olhar, Kiarostami reencontra o maravilhamento dos filmes dos Lumière. Blow-Up – A História de Um Fotógrafo (1966) é o filme de abertura