Quem se lembra de Natalie Wood?
CJOÃO LOPES ontinuo a ler (ou a ver no YouTube) entrevistas de muitas atrizes ligadas ao universo de produção de Hollywood que, na sequência da denúncia de abusos sexuais de Harvey Weinstein e outros homens desse universo, falam de um novo tempo de afirmação das mulheres no cinema, e na cultura em geral. Não podemos minimizar a gravidade dos atos de que todos aqueles homens são acusados. Além do mais, entre essas atrizes estão algumas das mais admiráveis e talentosas profissionais do cinema dos nossos dias, incluindo Meryl Streep, Jessica Chastain e Cate Blanchett. Fica por esclarecer qual é o “novo tempo” a que se referem.
O assunto não cabe na brevidade destas linhas. Ainda assim, vale a pena perguntar se essas atrizes, inadvertidamente, não estarão a rasurar a fascinante e contraditória pluralidade da história de Hollywood, nomeadamente as suas múltiplas formas de representação do feminino (o mesmo, aliás, se poderá dizer face a muitos discursos sobre o tratamento narrativo dos afro-americanos que parecem querer convencer-nos de que, num golpe de mágica, foram alguns medíocres blockbusters da Marvel que se lembraram de colocar em cena atores de pele negra).
Que fazer, então, com a herança de atrizes como Greta Garbo, Katharine Hepburn, Bette Davis, Judy Garland ou Elizabeth Taylor? São, ou não, representantes exemplares de muitas singularidades femininas? Ou será que, subitamente, todas as obras-primas que protagonizaram foram geradas por mentalidades tocadas pela “síndrome Weinstein”?
Aliás, a questão é tanto mais envolvente quanto nos pede (diria mesmo: exige) que não escamoteemos as muitas facetas da figuração feminina, incluindo aquelas que, por regra, são tratadas como emanações lineares de uma noção primitiva de sex symbol. Veja-se com atenção a filmografia de Marilyn Monroe. Alguns dos seus filmes, com destaque para os dois em que foi dirigida por Billy Wilder – O Pecado Mora ao Lado (1955) e Quanto Mais Quente Melhor (1959) –, permanecem mesmo como subtis e contundentes inventários da estupidez machista.
Penso também em proezas sublimes como Esplendor na Relva (1961), de Elia Kazan. Será que o maniqueísmo mediático (que, agora, tende a contaminar todos os debates) vai banalizar o sangue e fogo da interpretação de Natalie Wood nesse filme? Em nome de quê? De uma “verdade” feminina que já não se interessa pela complexidade racional, afetiva e sexual das mulheres? Seja qual for a causa defendida, a militância será também uma arte de preservar a memória.