A reunião mais faustosa de escritores em Portugal foi há 30 anos
1988. Portugal recebeu os mais importantes autores internacionais num encontro em que a política e o luxo ultrapassaram a literatura
Nunca se viu um encontro de escritores tão “faustoso” em Portugal como o que se realizou há 30 anos no Palácio de Queluz. Vieram autores de várias partes do mundo, que ficaram no Hotel Ritz e a organização alugou todas as limusinas que existiam no país para os levar do centro de Lisboa até ao palácio nos arredores da capital, onde o Encontro Internacional de Escritores promovido pela Fundação Wheatland – leia-se a família multimilionária Getty – decorria. Três décadas depois, um dos participantes não se esqueceu desta reunião de nomes famosos, nem do luxo em que viveu. É o caso de Salman Rushdie que ainda há poucos meses não deixou passar esta memória e a referiu numa entrevista ao DN: “Nunca vi uma coisa assim!” Rushdie ficou surpreendido pelo hotel, pelo transporte em carros de luxo e pela quantidade de escritores de nomeada com os quais confraternizou. Tanto assim que na sua “autobiografia”, o volume com centenas de páginas Joseph Anton, não se esqueceu de transmitir o espanto perante tal evento e questionar quanto teria custado...
Vieram escritores de quase todo o mundo e dois prémios Nobel estiveram presentes: o polaco Czeslaw Milosz e o russo (expulso da URSS em 1972) Joseph Brodsky, que receberam o galardão da Academia Sueca, respetivamente, em 1980 e 1987. O lote de autores não fica por aí, sendo convidados “jovens valores” como o referido Rushdie, Martin Amis e Ian McEwan, bem como Malcolm Bradbury, Lars Gustafsson e Susan Sontag, entre outros nomes que entretanto deixaram de ser sonantes para os leitores.
A literatura portuguesa também esteve presente, mesmo que a reportagem do DN sobre a sessão do dia 6 de maio de 1988 fosse explícita no que respeita ao desinteresse dos estrangeiros sobre o que se escrevia em Portugal: “Susan Sontag, a popular ensaísta americana, foi uma das primeiras a abandonar a sala de conferência. No entanto, não foi a última e a debandada dos estrangeiros foi discreta e contínua, talvez como reação a excessos de retórica ou improviso detetáveis nas intervenções portuguesas.”
A mesma reportagem descrevia que “duas ausências de monta, a de Saramago e a de Lobo Antunes, diminuíram um pouco o eco do painel dedicado à literatura portuguesa [estavam num encontro no Brasil]”, mas considera que a “honra do convento” foi salva pelos escritores que marcaram presença: Sophia de Mello Breyner, Vergílio Ferreira, José Cardoso Pires, Pedro Tamen, Almeida Faria, Lídia Jorge e Manuel Alberto Valente.
Trinta anos depois a memória dos três últimos é um pouco difusa sobre os acontecimentos do Encontro Internacional, mas nenhum deles esqueceu o luxo do evento e a quantidade impensável de escritores reunidos em Queluz, com quem conviveram e tentaram divulgar a nossa literatura.
Para Manuel Alberto Valente a recordação é clara num aspeto: “Em Portugal nunca tinha havido uma coisa assim! Foi um acontecimento faustoso e que teve um significado importante na época.” Quanto a potenciar a literatura portuguesa, apesar de pouco se lembrar, Valente não tem dúvidas: “Passou um pouco ao lado.”
A intervenção de Almeida Faria foi sob o tema “Balizas para uma viagem na literatura portuguesa” e, escreveu-se então, num registo em que a intenção era “provocar”, o que veio a acontecer pois afirmou, entre questionamentos à importância dada a Eça de Queiroz e a desimportância a Fernando Pessoa, “que a vocação lírica nacional foi uma invenção dos suplementos literários dos anos 60”.
Almeida Faria lembra-se bem da concentração de escritores famosos e considera que foi “o primeiro e último encontro desta dimensão em Portugal”, e que deve ter acontecido porque “o Presidente Mário Soares gostava muito desses eventos em grande”. Recorda-se de ter que falar em inglês devido aos problemas de tradução simultânea – que afetaram a intervenção de Sophia, por exemplo, – e de debates acesos por causa “dos ódios entre russos e polacos”. Não esqueceu o jantar com Martin Amis e Ian McEwan: “Foram dos escritores com quem conversei mais”; nem do seu desinteresse na nossa literatura: “Houve um deles [crê que Amis] que me disse uma coisa curiosa quando referi que gostava de ler os escritores na sua língua: ‘Mas para quê?’ Para ele só o inglês é que importava.” Entre os participantes, Almeida Faria lembra-se bem de Sontag: “Era muito combativa.”
A memória de Lídia Jorge sobre esse Encontro é “pequena”, mas não esqueceu que a política estava sempre sobre a mesa: “Ainda não tinha caído o Muro de Berlim e a questão da liberdade e das duas Europas de então era mais importante do que o debate sobre a literatura.” Tem uma outra sensação: “Quem promoveu o encontro não estava muito preocupado com a sua continuidade, era mais um evento social em que a literatura nacional pouco interessava – éramos os hospedeiros. Quando chegou a minha vez, achei que estava a falar sobre um ninho de cucos, que tanto poderia ser ali como noutro lugar qualquer. ”
“Em Portugal nunca tinha havido uma coisa assim! Foi um acontecimento faustoso”, recorda Manuel Alberto Valente