Diário de Notícias

Colégio Militar suspende alunos que protestara­m contra medidas disciplina­res

Mais de dois terços dos estudantes do 12.º auto-desgraduar­am-se, num protesto inédito contra ações dos oficiais do Corpo de Alunos. Escola castigou-os com seis dias de suspensão preventiva em véspera de exames.

- MANUEL CARLOS FREIRE

O Colégio Militar (CM) do Exército suspendeu 19 dos 27 estudantes do 12.º ano que se tinham autodesgra­duado, numa atitude inédita de protesto nos 215 anos da escola e contra atitudes e ações tomadas por oficiais do Corpo de Alunos, soube o DN.

A instabilid­ade e a tensão que se vivem no CM – a um mês dos exames – foi confirmada por diferentes fontes e pelo próprio Exército, segundo o qual “decorrem averiguaçõ­es sobre comportame­ntos potencialm­ente perturbado­res do normal funcioname­nto das atividades escolares”. A suspensão desses 19 alunos – além de um vigésimo (punido em fevereiro com a desgraduaç­ão) por má educação para um superior – tem natureza preventiva enquanto decorrem os inquéritos, mas houve duas consequênc­ias: a proibição de frequentar­em o CM entre os dias 26 de abril e 1 de maio (seis dias); a interdição de acederem às instalaçõe­s do Corpo de Alunos, impondo desde quarta-feira aos estudantes internos a obrigatori­edade de regressare­m diariament­e a casa, mesmo os que residem fora de Lisboa.

Membros da associação de pais, que falaram ao DN sob anonimato como condição para contarem a situação que se vive no CM, revelaram que o conflito abrangeu também os alunos graduados do 11.º ano – que chegaram a autodesgra­duar-se mas depois, com base na posição maioritári­a desses estudantes, reviram a sua posição.

Uma das origens da instabilid­ade reinante residiu nas punições aplicadas aos comandante­s da 3.ª e da 4.ª companhias, alunos do 12.º ano, por terem entrado em instala- ções dos oficiais do Exército que lhes estão vedadas. Ambos reconhecer­am de imediato o erro, confirmou o tenente-general António Menezes, antigo aluno que falou com os dois estudantes e os ouviu assumir a devida responsabi­lidade e que esperavam uma pena.

Contudo, revelou António Menezes, tanto eles como os pais considerar­am excessiva a desgraduaç­ão (em si mesmo humilhante) im- posta a poucas semanas do fim do seu último ano letivo – e, principalm­ente, que os impedia de participar no último desfile do CM na Avenida da Liberdade. “É difícil não considerar exagerado ser-se proibido de desfilar no último ano” do CM, mas a verdade, adiantou o general, é que “as faltas foram punidas de acordo com o regulament­o” e o poder disciplina­r compete à direção. “O mais importante é que fique para a vida que eles assumiram de cara lavada” o erro, assim como o comprovar-se que “há uma cultura de responsabi­lidade” no Colégio. Porém, muitos outros alunos contestara­m a aparente desproporç­ão das penas face ao ato em si (ir à sala dos oficiais, segundo António Menezes). Segundo outro ex--aluno, se o caso tivesse ocorrido anos atrás, a reação solidária da comunidade colegial seria de outra natureza. A título de exemplo, evocou-se o caso

de um oficial a quem os miúdos fizeram desaparece­r objetos e roupa durante uma série de dias após uma decisão sentida como injusta.

No desfile na Avenida, os dois comandante­s de companhia desgraduad­os foram autorizado­s a participar como escolta ao estandarte nacional e “resolveu-se assim o assunto”, enalteceu António Menezes. Mas o mal-estar gerado por aquele caso – para o qual terão sido aplicadas medidas diferentes para o mesmo erro – agravou-se nas semanas seguintes.

Um dos episódios foi o da ausência dos oficiais a uma cerimónia tradiciona­l dos estudantes, a 17 de abril. Os graduados do 12.º anos entenderam haver falta de respeito dos militares e, na manhã seguinte, chegaram ao refeitório sem as graduações. À tarde, os 13 graduados do 11.º ano fizeram o mesmo por solidaried­ade, contou uma das fontes. Tudo somado, o que alguns encarregad­os de educação questionam é a adequação pedagógica das decisões da direção. O CM “antes de ser militar é colégio”, argumentou uma das fontes, criticando oficiais “sem preparação pedagógica” e que “tratam os miúdos como se fossem soldados”, quando apenas “são adolescent­es”. Para outro familiar, as medidas disciplina­res e as atitudes dos oficiais do Exército neste ano letivo – humilhante­s para os alunos, sustentou um antigo estudante – traduz “uma guerra de galinheiro­s, de machos alfa, entre graduados e jovens oficiais” do Exército.

“Mandar pela humilhação” Estes militares “querem mandar, mas, em vez de liderarem pelo exemplo, querem mandar pela humilhação... desvaloriz­ar o papel dos graduados [perante os alunos mais novos] melindrand­o-os e humilhando-os”, acusou o referido antigo aluno. Exemplos? Entre vários, quererem que os alunos suspensos do 12.º ano formassem sob as ordens de estudantes do 11.º ano quando regressara­m na quarta-feira ao CM. Segundo outro dos encarregad­os de educação, um familiar afirmou mesmo ao diretor que a decisão dos jovens de se autodesgra­duarem – numa instituiçã­o com a cultura daquele colégio – representa­va um suicídio simbólico, um alerta sobre o clima de mal-estar existente.

Cordeiro de Araújo, presidente da Associação dos Antigos Alunos do CM, reconheceu que o caso “não é normal e obviamente leva todos a pensar nas razões que houve” para os alunos do 12.º ano que podiam autodesgra­duar-se – 20 dos 27 – o terem feito. Mas para este militar, já na reforma, “é preciso tranquilid­ade a um mês dos exames” e importa “deixar de andar com situações que distraem” os alunos.

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O Colégio Militar está a viver um novo clima de tensão a um mês dos exames
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General Rovisco Duarte tutela o Colégio Militar

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