Colégio Militar suspende alunos que protestaram contra medidas disciplinares
Mais de dois terços dos estudantes do 12.º auto-desgraduaram-se, num protesto inédito contra ações dos oficiais do Corpo de Alunos. Escola castigou-os com seis dias de suspensão preventiva em véspera de exames.
O Colégio Militar (CM) do Exército suspendeu 19 dos 27 estudantes do 12.º ano que se tinham autodesgraduado, numa atitude inédita de protesto nos 215 anos da escola e contra atitudes e ações tomadas por oficiais do Corpo de Alunos, soube o DN.
A instabilidade e a tensão que se vivem no CM – a um mês dos exames – foi confirmada por diferentes fontes e pelo próprio Exército, segundo o qual “decorrem averiguações sobre comportamentos potencialmente perturbadores do normal funcionamento das atividades escolares”. A suspensão desses 19 alunos – além de um vigésimo (punido em fevereiro com a desgraduação) por má educação para um superior – tem natureza preventiva enquanto decorrem os inquéritos, mas houve duas consequências: a proibição de frequentarem o CM entre os dias 26 de abril e 1 de maio (seis dias); a interdição de acederem às instalações do Corpo de Alunos, impondo desde quarta-feira aos estudantes internos a obrigatoriedade de regressarem diariamente a casa, mesmo os que residem fora de Lisboa.
Membros da associação de pais, que falaram ao DN sob anonimato como condição para contarem a situação que se vive no CM, revelaram que o conflito abrangeu também os alunos graduados do 11.º ano – que chegaram a autodesgraduar-se mas depois, com base na posição maioritária desses estudantes, reviram a sua posição.
Uma das origens da instabilidade reinante residiu nas punições aplicadas aos comandantes da 3.ª e da 4.ª companhias, alunos do 12.º ano, por terem entrado em instala- ções dos oficiais do Exército que lhes estão vedadas. Ambos reconheceram de imediato o erro, confirmou o tenente-general António Menezes, antigo aluno que falou com os dois estudantes e os ouviu assumir a devida responsabilidade e que esperavam uma pena.
Contudo, revelou António Menezes, tanto eles como os pais consideraram excessiva a desgraduação (em si mesmo humilhante) im- posta a poucas semanas do fim do seu último ano letivo – e, principalmente, que os impedia de participar no último desfile do CM na Avenida da Liberdade. “É difícil não considerar exagerado ser-se proibido de desfilar no último ano” do CM, mas a verdade, adiantou o general, é que “as faltas foram punidas de acordo com o regulamento” e o poder disciplinar compete à direção. “O mais importante é que fique para a vida que eles assumiram de cara lavada” o erro, assim como o comprovar-se que “há uma cultura de responsabilidade” no Colégio. Porém, muitos outros alunos contestaram a aparente desproporção das penas face ao ato em si (ir à sala dos oficiais, segundo António Menezes). Segundo outro ex--aluno, se o caso tivesse ocorrido anos atrás, a reação solidária da comunidade colegial seria de outra natureza. A título de exemplo, evocou-se o caso
de um oficial a quem os miúdos fizeram desaparecer objetos e roupa durante uma série de dias após uma decisão sentida como injusta.
No desfile na Avenida, os dois comandantes de companhia desgraduados foram autorizados a participar como escolta ao estandarte nacional e “resolveu-se assim o assunto”, enalteceu António Menezes. Mas o mal-estar gerado por aquele caso – para o qual terão sido aplicadas medidas diferentes para o mesmo erro – agravou-se nas semanas seguintes.
Um dos episódios foi o da ausência dos oficiais a uma cerimónia tradicional dos estudantes, a 17 de abril. Os graduados do 12.º anos entenderam haver falta de respeito dos militares e, na manhã seguinte, chegaram ao refeitório sem as graduações. À tarde, os 13 graduados do 11.º ano fizeram o mesmo por solidariedade, contou uma das fontes. Tudo somado, o que alguns encarregados de educação questionam é a adequação pedagógica das decisões da direção. O CM “antes de ser militar é colégio”, argumentou uma das fontes, criticando oficiais “sem preparação pedagógica” e que “tratam os miúdos como se fossem soldados”, quando apenas “são adolescentes”. Para outro familiar, as medidas disciplinares e as atitudes dos oficiais do Exército neste ano letivo – humilhantes para os alunos, sustentou um antigo estudante – traduz “uma guerra de galinheiros, de machos alfa, entre graduados e jovens oficiais” do Exército.
“Mandar pela humilhação” Estes militares “querem mandar, mas, em vez de liderarem pelo exemplo, querem mandar pela humilhação... desvalorizar o papel dos graduados [perante os alunos mais novos] melindrando-os e humilhando-os”, acusou o referido antigo aluno. Exemplos? Entre vários, quererem que os alunos suspensos do 12.º ano formassem sob as ordens de estudantes do 11.º ano quando regressaram na quarta-feira ao CM. Segundo outro dos encarregados de educação, um familiar afirmou mesmo ao diretor que a decisão dos jovens de se autodesgraduarem – numa instituição com a cultura daquele colégio – representava um suicídio simbólico, um alerta sobre o clima de mal-estar existente.
Cordeiro de Araújo, presidente da Associação dos Antigos Alunos do CM, reconheceu que o caso “não é normal e obviamente leva todos a pensar nas razões que houve” para os alunos do 12.º ano que podiam autodesgraduar-se – 20 dos 27 – o terem feito. Mas para este militar, já na reforma, “é preciso tranquilidade a um mês dos exames” e importa “deixar de andar com situações que distraem” os alunos.