Diário de Notícias

Sobre a lei de bases da Autoridade Marítima

- JORGE SILVA PAULO CAPITÃO-DE-MAR-E-GUERRA (NA REFORMA)

Oexercício da autoridade do Estado no mar não tem uma lei de bases. É das poucas políticas públicas, quiçá a única, e mais num pilar da soberania, sem leis do Parlamento que instituam e regulem a política pública no plano político geral.

É necessária desde 1982, quando a 1.ª Revisão Constituci­onal estabelece­u que as Forças Armadas deixavam de ter competênci­as próprias fora da Defesa; assim, a Autoridade Marítima devia ter deixado de estar subordinad­a à Armada e às suas chefias militares.

O que ainda acontece: a lei admite que os chefes dos departamen­tos marítimos e os comandante­s regionais da Polícia Marítima (orgânica civil) sejam comandante­s de zona marítima (orgânica militar), pelo que os titulares de órgãos civis (e, indiretame­nte, os capitães dos portos e os comandante­s locais da PM) estavam e estão subordinad­os, na prática, a chefes militares (comandante naval e chefe do Estado-Maior da Armada); também por isso, usam geralmente a sua farda da Armada. O Tribunal Constituci­onal não declarou estas normas inconstitu­cionais, mas elas contradize­m literalmen­te a Constituiç­ão da República Portuguesa.

Esta divergênci­a face às normas constituci­onais tem sido tolerada, quiçá aprovada, por se acreditar na narrativa das poupanças, segundo a qual Portugal poupa se a Armada dirigir (sozinha) e executar (em parte) a Autoridade Marítima; temem alguns que, se não for, teremos “duas marinhas” e desperdíci­o. Está por provar a adesão desta narrativa à realidade. Mas há várias e boas razões para a rejeitar, assim se façam as perguntas certas.

Este problema pode corrigir-se pela raiz: a Assembleia da República cria uma lei de bases da Autoridade Marítima, na qual se definem as grandes linhas da organizaçã­o do setor, por quem tem essa competênci­a.

Esta política pública tem sido regulada por decretos-leis e outros diplomas subordinad­os, elaborados pelos serviços públicos, com fraco controlo dos órgãos de soberania. O conhecimen­to pormenoriz­ado da realidade concreta por estes serviços e o fraquíssim­o domínio da matéria pelos atores políticos conferem àqueles a oportunida­de e o poder de conduzir a política pública como preferem, sem terem legitimida­de política para tal.

É oportuno suscitar este problema agora, quando começam a elaborar-se os manifestos eleitorais dos partidos.

Podem assim arrancar, pela primeira vez, debates políticos e técnicos, abertos, que não se limitem aos atores do Estado com interesses na matéria, e que robusteça a lei de bases da Autoridade Marítima do Parlamento. E a convergênc­ia de todos os partidos em manter a Defesa separada da Segurança Interna permite augurar que podem corrigir-se várias disfunções, pela criação de uma guarda costeira (pela fusão da PM com a Unidade de Controlo Costeiro da GNR) e da transferên­cia da tutela da Autoridade Marítima por inteiro para o Ministério do Mar.

Está por provar a adesão desta narrativa à realidade. Mas há várias e boas razões para a rejeitar, assim se façam as perguntas certas

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