A Europa não é um projeto
Dia 9 de maio, quarta-feira que vem, é Dia da Europa (celebra-se a data em que foi apresentada a Declaração Schuman que é o momento fundador da União Europeia tal como a conhecemos) e não é feriado em lado nenhum (tirando nas instituições europeias).
Entre as várias teses sobre como os povos europeus foram feitos, na verdade, para estarem unidos, está a ideia de que há uma identidade europeia. Um cimento comum que faz da Europa o que a Europa é, que a define face a si e aos outros.
A ideia é entusiasmante, mas é enganadora. Pelo menos para as conclusões que se querem tirar. Não só não há uma identidade, mas sim várias, como o traço mais comum dessa espécie de identidade é a diversidade.
George Steiner escreveu que é a dimensão humana que define a Europa: nos cafés, onde a cultura se escreveu e a política se discutiu; na paisagem, domada e dominada como em nenhum outro continente; nos heróis, mártires e vilões, eternizados na toponímia como em mais lugar nenhum do mundo. Tudo isso é parcialmente verdade, mas a nossa Avenida da Liberdade desagua no Marquês de Pombal (não exatamente um paladino da dita), a única rua Shakespeare em Portugal fica em Alcabideche e a única estátua de Fernando Pessoa na Bélgica fica no bairro dos emigrantes portugueses e não no centro da cidade, como é óbvio. E podíamos continuar por aqui fora. Claro que descendemos todos de Atenas e Jerusalém; tanto Camões como Joyce leram Homero; David impressionou todos os europeus que o viram e por aí fora. Mas se é para procurar um traço comum entre os europeus, muito mais do que os cafés, são as catedrais. O cristianismo, que Steiner culpa de tantos males, é mais substrato comum dos povos que andam por aqui do que todas as enciclopédias do iluminismo.
Daí que a Europa tenha de ser cristã? Não, não é nada isso. A religião já não influenciará os homens e as instituições como no passado, mas expulsá-la do espaço público e do espaço político é confundir laicidade (a neutralidade do Estado face às religiões) com laicismo (a recusa da relevância social e política da fé dos homens). Há uns anos, no Parlamento Europeu, Johnathan Saacks, rabino-chefe das congregações da Commonwealth, dedicou a sua intervenção à importância do diálogo, dizendo “se fôssemos completamente diferentes, não poderíamos comunicar; se fôssemos exatamente iguais, não teríamos nada a dizer”.
A Europa política é feita de histórias, memórias e razões diferentes para a integrar. É por isso que no dia 9 se deve celebrar a construção europeia – um processo que vai evoluindo à medida da vontade e da diversidade – e não um projeto europeu, único, centralista, pensando no centro, imposto a todos. No dia em que se perceber isso, cada eleição, cada referendo, cada crise, deixa de ser o “agora é que é” para passar a ser mais uma fase de um esforço que se define pelo processo e não pelo resultado. E o processo tem dado ótimos resultados.
A Europa política é feita de histórias, memórias e razões diferentes para a integrar