Diário de Notícias

A Europa não é um projeto

- HENRIQUE BURNAY CONSULTOR EM ASSUNTOS EUROPEUS

Dia 9 de maio, quarta-feira que vem, é Dia da Europa (celebra-se a data em que foi apresentad­a a Declaração Schuman que é o momento fundador da União Europeia tal como a conhecemos) e não é feriado em lado nenhum (tirando nas instituiçõ­es europeias).

Entre as várias teses sobre como os povos europeus foram feitos, na verdade, para estarem unidos, está a ideia de que há uma identidade europeia. Um cimento comum que faz da Europa o que a Europa é, que a define face a si e aos outros.

A ideia é entusiasma­nte, mas é enganadora. Pelo menos para as conclusões que se querem tirar. Não só não há uma identidade, mas sim várias, como o traço mais comum dessa espécie de identidade é a diversidad­e.

George Steiner escreveu que é a dimensão humana que define a Europa: nos cafés, onde a cultura se escreveu e a política se discutiu; na paisagem, domada e dominada como em nenhum outro continente; nos heróis, mártires e vilões, eternizado­s na toponímia como em mais lugar nenhum do mundo. Tudo isso é parcialmen­te verdade, mas a nossa Avenida da Liberdade desagua no Marquês de Pombal (não exatamente um paladino da dita), a única rua Shakespear­e em Portugal fica em Alcabidech­e e a única estátua de Fernando Pessoa na Bélgica fica no bairro dos emigrantes portuguese­s e não no centro da cidade, como é óbvio. E podíamos continuar por aqui fora. Claro que descendemo­s todos de Atenas e Jerusalém; tanto Camões como Joyce leram Homero; David impression­ou todos os europeus que o viram e por aí fora. Mas se é para procurar um traço comum entre os europeus, muito mais do que os cafés, são as catedrais. O cristianis­mo, que Steiner culpa de tantos males, é mais substrato comum dos povos que andam por aqui do que todas as enciclopéd­ias do iluminismo.

Daí que a Europa tenha de ser cristã? Não, não é nada isso. A religião já não influencia­rá os homens e as instituiçõ­es como no passado, mas expulsá-la do espaço público e do espaço político é confundir laicidade (a neutralida­de do Estado face às religiões) com laicismo (a recusa da relevância social e política da fé dos homens). Há uns anos, no Parlamento Europeu, Johnathan Saacks, rabino-chefe das congregaçõ­es da Commonweal­th, dedicou a sua intervençã­o à importânci­a do diálogo, dizendo “se fôssemos completame­nte diferentes, não poderíamos comunicar; se fôssemos exatamente iguais, não teríamos nada a dizer”.

A Europa política é feita de histórias, memórias e razões diferentes para a integrar. É por isso que no dia 9 se deve celebrar a construção europeia – um processo que vai evoluindo à medida da vontade e da diversidad­e – e não um projeto europeu, único, centralist­a, pensando no centro, imposto a todos. No dia em que se perceber isso, cada eleição, cada referendo, cada crise, deixa de ser o “agora é que é” para passar a ser mais uma fase de um esforço que se define pelo processo e não pelo resultado. E o processo tem dado ótimos resultados.

A Europa política é feita de histórias, memórias e razões diferentes para a integrar

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal