Bernardo Pires de Lima “Falta massificar o lado positivo da integração europeia”
Bernardo Pires de Lima, investigador universitário e colunista do DN, apresenta hoje, na Gulbenkian, em Lisboa, às 18.00, o seu novo livro. O Lado B da Europa é fruto de 11 meses de viagens por 28 países. O lançamento será feito no âmbito da conferência internacional “Europa e o Regresso da Política das Grandes Potências, que, entre outros, conta com oradores como o alemão Ali Aslan, da Deutsche Welle TV, e o sueco Erik Brattberg, do Carnegie Endowment. O lançamento coincide com a celebração do Dia da Europa e serve de mote à análise da situação atual da União Europeia. há que sonham entrar. Qual a palavra, se pudesse escolher uma, que melhor define o tempo que vivemos atualmente na Europa? Ansiedade. Passada a crise financeira, pelo menos aparentemente, passada a crise dos refugiadas, pelo menos temporariamente, qual o principal desafio da União Europeia atualmente? O populismo? A demografia? A falta de liderança no mundo? Outro? O principal desafio da UE é manter-se minimamente coesa, com um desígnio minimamente comum capaz de dirimir os interesses antagónicos, e equipar-se com instrumentos mais robustos para enfrentar as próximas crises. Há sempre uma próxima crise. Viajou durante 11 meses pelos 28 países da UE. Encontrou um lado B da Europa, título do seu livro, que hoje apresenta na Gulbenkian? Como o descreveria? Como digo na introdução do livro, um lado “muito mais sujo, cru e político” do que os habituais chavões líricos que descrevem a União Europeia. Mas também lados positivos que não aparecem muito na imprensa que habitualmente lemos, assim como duas conclusões: nós, europeus, conhecemo-nos mal e reduzimos, erradamente, certas regiões na Europa a núcleos coesos e estruturados. Isso não existe. Diz-se muito – e há muito tempo – que a UE deve estar mais próxima dos seus cidadãos. O que pensam da Europa os cidadãos nos diferentes Estados membros? O que mais preocupa uns e outros? Não é novidade nenhuma se disser que encontrei nas mais de cem entrevistas que fiz para o livro e nas dezenas de conversas fortuitas que tive, um crescente desencanto com a benignidade da integração europeia. Sobretudo com os méritos da moeda única. Apesar disso, de forma geral, os principais estudos de opinião apontam para níveis de satisfação com a UE genericamente altos. E a verdade é que, por uma manifestação neonazi com 50 mil elementos, surge outra pró-UE com 100 mil pessoas. Só lemos é notícias sobre a primeira. Os líderes e os decisores, em cada um dos países, têm feito alguma coisa para que essa aproximação efetivamente aconteça? A vitória de Emmanuel Macron em França, que tive a sorte de testemunhar e analisar para este livro, é o corolário de uma receita política pró-europeia e pró-globalização com sucesso e uma tentativa de aproximar os méritos da UE das ansiedades diárias das pessoas. Eleitoralmente resultou. Mas falta massificar o lado positivo da integração europeia. O problema é que, no atual debate identitário entre Estados membros, os partidos tradicionais pró-integração estão também num dilema identitário. Veja-se Itália, onde nas últimas eleições nenhum dos principais partidos foi a votos com um discurso pró-UE. Há países que andam à procura do seu Macron, outros do seu [Viktor] Orbán. A UE está, simplificadamente, entre estes dois mundos. Os membros das novas gerações parecem ser menos nacionalistas e mais cidadãos do mundo. Isso deve-se à UE ou simplesmente à internet? À partida, as três condições valorizadas na pertença à UE: livre circulação, liberdade política e prosperidade económica. Mas não vejo “as novas gerações” como um bloco coeso. Há sociedades na Europa com mais jovens cosmopolitas do que nacionalistas e outras com a posição inversa. Se houve lição dada pela vitória de Trump foi a da dificuldade em prever a predisposição política dentro de uma mesma geração, etnia, credo ou sexo. Vi muito radicalismo anti-UE nestas viagens, tal como vi muita ilusão sobre a UE, muita ingenuidade, muito comodismo e, também, alguns bons exemplos inesperados de compromisso com a União. Entre os EUA de Donald Trump e a Rússia de Vladimir Putin que lugar sobra no mundo para a UE? Como se viu, no caso da Síria, resta a alguns países, isoladamente, alinhar com um ou com outro? Penso que a tendência na UE é a das coligações de vontade. E, como referi, o desafio é sobretudo interno, o de manter um mínimo de coesão estabilizada de forma a não existir nenhum outro brexit. A política comercial, uma das poucas competências geopolíticas da UE com impacto global, está a ser bem trabalhada e não está nem refém de Trump nem de Putin. Se está a ser bem vendida nos seus méritos é outra questão. Precisamos de transformar o ângulo negativo em positivo quando falamos da UE. Cabe aos decisores políticos que acreditam nela liderar esse debate, mas há mais vida democrática além dos políticos. Ninguém, que acredita na União Europeia, deve demitir-se desse combate, sob pena de o perder por omissão. A história da Europa não costuma ser meiga para os demissionários.
Hoje – 9 de maio – assinala-se o Dia da Europa. Enquanto uns países querem sair da União Europeia, outros