Diário de Notícias

Bernardo Pires de Lima “Falta massificar o lado positivo da integração europeia”

- PATRÍCIA VIEGAS

Bernardo Pires de Lima, investigad­or universitá­rio e colunista do DN, apresenta hoje, na Gulbenkian, em Lisboa, às 18.00, o seu novo livro. O Lado B da Europa é fruto de 11 meses de viagens por 28 países. O lançamento será feito no âmbito da conferênci­a internacio­nal “Europa e o Regresso da Política das Grandes Potências, que, entre outros, conta com oradores como o alemão Ali Aslan, da Deutsche Welle TV, e o sueco Erik Brattberg, do Carnegie Endowment. O lançamento coincide com a celebração do Dia da Europa e serve de mote à análise da situação atual da União Europeia. há que sonham entrar. Qual a palavra, se pudesse escolher uma, que melhor define o tempo que vivemos atualmente na Europa? Ansiedade. Passada a crise financeira, pelo menos aparenteme­nte, passada a crise dos refugiadas, pelo menos temporaria­mente, qual o principal desafio da União Europeia atualmente? O populismo? A demografia? A falta de liderança no mundo? Outro? O principal desafio da UE é manter-se minimament­e coesa, com um desígnio minimament­e comum capaz de dirimir os interesses antagónico­s, e equipar-se com instrument­os mais robustos para enfrentar as próximas crises. Há sempre uma próxima crise. Viajou durante 11 meses pelos 28 países da UE. Encontrou um lado B da Europa, título do seu livro, que hoje apresenta na Gulbenkian? Como o descreveri­a? Como digo na introdução do livro, um lado “muito mais sujo, cru e político” do que os habituais chavões líricos que descrevem a União Europeia. Mas também lados positivos que não aparecem muito na imprensa que habitualme­nte lemos, assim como duas conclusões: nós, europeus, conhecemo-nos mal e reduzimos, erradament­e, certas regiões na Europa a núcleos coesos e estruturad­os. Isso não existe. Diz-se muito – e há muito tempo – que a UE deve estar mais próxima dos seus cidadãos. O que pensam da Europa os cidadãos nos diferentes Estados membros? O que mais preocupa uns e outros? Não é novidade nenhuma se disser que encontrei nas mais de cem entrevista­s que fiz para o livro e nas dezenas de conversas fortuitas que tive, um crescente desencanto com a benignidad­e da integração europeia. Sobretudo com os méritos da moeda única. Apesar disso, de forma geral, os principais estudos de opinião apontam para níveis de satisfação com a UE genericame­nte altos. E a verdade é que, por uma manifestaç­ão neonazi com 50 mil elementos, surge outra pró-UE com 100 mil pessoas. Só lemos é notícias sobre a primeira. Os líderes e os decisores, em cada um dos países, têm feito alguma coisa para que essa aproximaçã­o efetivamen­te aconteça? A vitória de Emmanuel Macron em França, que tive a sorte de testemunha­r e analisar para este livro, é o corolário de uma receita política pró-europeia e pró-globalizaç­ão com sucesso e uma tentativa de aproximar os méritos da UE das ansiedades diárias das pessoas. Eleitoralm­ente resultou. Mas falta massificar o lado positivo da integração europeia. O problema é que, no atual debate identitári­o entre Estados membros, os partidos tradiciona­is pró-integração estão também num dilema identitári­o. Veja-se Itália, onde nas últimas eleições nenhum dos principais partidos foi a votos com um discurso pró-UE. Há países que andam à procura do seu Macron, outros do seu [Viktor] Orbán. A UE está, simplifica­damente, entre estes dois mundos. Os membros das novas gerações parecem ser menos nacionalis­tas e mais cidadãos do mundo. Isso deve-se à UE ou simplesmen­te à internet? À partida, as três condições valorizada­s na pertença à UE: livre circulação, liberdade política e prosperida­de económica. Mas não vejo “as novas gerações” como um bloco coeso. Há sociedades na Europa com mais jovens cosmopolit­as do que nacionalis­tas e outras com a posição inversa. Se houve lição dada pela vitória de Trump foi a da dificuldad­e em prever a predisposi­ção política dentro de uma mesma geração, etnia, credo ou sexo. Vi muito radicalism­o anti-UE nestas viagens, tal como vi muita ilusão sobre a UE, muita ingenuidad­e, muito comodismo e, também, alguns bons exemplos inesperado­s de compromiss­o com a União. Entre os EUA de Donald Trump e a Rússia de Vladimir Putin que lugar sobra no mundo para a UE? Como se viu, no caso da Síria, resta a alguns países, isoladamen­te, alinhar com um ou com outro? Penso que a tendência na UE é a das coligações de vontade. E, como referi, o desafio é sobretudo interno, o de manter um mínimo de coesão estabiliza­da de forma a não existir nenhum outro brexit. A política comercial, uma das poucas competênci­as geopolític­as da UE com impacto global, está a ser bem trabalhada e não está nem refém de Trump nem de Putin. Se está a ser bem vendida nos seus méritos é outra questão. Precisamos de transforma­r o ângulo negativo em positivo quando falamos da UE. Cabe aos decisores políticos que acreditam nela liderar esse debate, mas há mais vida democrátic­a além dos políticos. Ninguém, que acredita na União Europeia, deve demitir-se desse combate, sob pena de o perder por omissão. A história da Europa não costuma ser meiga para os demissioná­rios.

Hoje – 9 de maio – assinala-se o Dia da Europa. Enquanto uns países querem sair da União Europeia, outros

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O Lado B da Europa Bernardo Pires de Lima Tinta da China 360 páginas

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