Acabou o tempo, entre as duas guerras mundiais, em que a hierarquia das potências era militar e identificava a preponderância do confronto dos EUA com a URSS. Hoje há que contar com a capacidade de o fraco atingir severamente o forte; de uma leviandade pr
Emmanuel Macron, finamente analisada pelo atento padre e professor Anselmo Borges, discurso que afirmou a necessidade de “repensar o vínculo entre o Estado e a Igreja, que se deteriorou”.
Não são apenas vozes das sociedades civis ocidentais que, com valores religiosos ou apenas cívicos, assumem a necessidade de apelar à paz, neste caso destacando-se a referida reunião da Federação para a Paz Mundial. Recordarei as doutrinas de Dalai Lama, que já há alguns anos foi orador convidado na Reitoria da Universidade de Lisboa, e que no seu Um Apelo ao Mundo, avaliando “o conceito da paz em tempos de discórdia”, recentemente traduzido e publicado em Portugal, declarou: “Se todos os sete mil milhões de seres humanos começassem a proclamar o que os une e não o que os divide, sentiriam menos stress e menos frustração”; “o Mahatma Gandhi era um homem profundamente religioso, mas também tinha uma mente secular. Nas suas sessões diárias de oração liam-se e cantavam-se textos de todas as grandes religiões e fontes de saber; Gandhi era um grande amigo de Jesus e do pacifismo que revelou no Sermão da Montanha.” Vítima como foi da violenta ocupação do seu país, e este da destruição de símbolos seculares da sua cultura e independência, declara, a abrir o prefácio do seu Um Apelo ao Mundo, que, vivendo “há 58 anos no exílio, na Índia”, “não tenho inimigos”.
Este estado de espírito, perante a arena de competições armadas, ou tão destrutivas como as armadas, dirige-se às sociedades civis, mas também ao poder. E uma das dificuldades mais evidentes de obter a adesão dos centros de poder, e a sua autenticidade a favor de uma “governança pacífica e justa do globo”, é que uma das questões mais difíceis de agregar respostas, no domínio independente da ciência política, é a de saber quem realmente governa o mundo, sendo evidente que algumas das tentadas respostas são frequentemente mais dependentes da ideologia, como algures sublinha Bertrand Badie, do que do rigor da observação, não esquecendo que, tradicionalmente, a teoria apontava para a democracia, com intervenção dos cidadãos, e divisão de poderes, e, contra a falta de autenticidade, anotava a fatalidade frequente de um governo cair em mãos como que predestinadas.
A dificuldade vinda da arena em que se transformou o globalismo é que os titulares do poder democrático podem ter sido escolhidos por manipulação dos eleitorados utilizando avanços técnicos que perderam a inocência, por poderes conhecidos mas sem cobertura jurídica, por poderes não identificados mas que utilizam o clientelismo, a corrupção, as redes de empresas, redes bancárias, redes sigilosas. Acabou o tempo, entre as duas guerras mundiais, em que a hierarquia das potências era militar, e identificava a preponderância do confronto dos EUA com a URSS. Hoje há que contar com a capacidade de o fraco atingir severamente o forte; de uma leviandade provocar um desastre mundial. Tempo de procurar finalmente organizar, com leitura atualizada, um “modelo da ONU em paz”. As últimas notícias apenas apontam para um armistício.