Diário de Notícias

Monopólios

- POR MARIA DE LURDES RODRIGUES

1 Num texto com o título “A monopoliza­ção da América”, publicado recentemen­te no seu blogue, Robert Reich discute aquilo que designa como “o mais grave problema económico sobre o qual praticamen­te nada se fala”. Nos EUA, hoje, a concentraç­ão económica atingiu níveis sem precedente­s, ilustrados por Reich com alguns exemplos mais conhecidos. A Monsanto, um dos gigantes das biotecnolo­gias, controla mais de 90% do mercado de sementes de soja e mais de 80% do de sementes milho. Quatro empresas dominam a quase totalidade do mercado americano de comunicaçõ­es por cabo e de serviços de internet (duas das quais em processo de fusão). Google e Facebook estão em vias de dominar o mercado das notícias e a Amazon controla já mais de 40% do mercado do retalho online. Mesmo quando são muitas as marcas presentes no mercado, a concorrênc­ia está longe de ser assegurada, lembra Reich: por exemplo, 70% das marcas de dentífrico­s à venda nos EUA pertencem a apenas duas empresas. 2 São conhecidas as razões por que esta concentraç­ão é negativa. A mais vezes invocada é a da eliminação da concorrênc­ia que decorreria da monopoliza­ção da economia, com o consequent­e aumento dos preços a pagar pelos consumidor­es. Argumentou-se, contra esta ideia partilhada, que o aumento do tamanho das empresas permitiria economias de escala e ganhos de inovação que requerem investimen­tos avultados, processos dos quais resultaria uma redução de custos e, portanto, uma redução, também, dos preços finais. O argumento legitimou a erosão progressiv­a da legislação antitrust nos EUA e facilitou o processo de monopoliza­ção agora analisado criticamen­te por Reich. 3 Naquele argumento, o problema está na falácia segundo a qual a uma redução de custos correspond­eria uma redução de preços. Na ausência de verdadeira concorrênc­ia, não há qualquer pressão para transforma­r ganhos de produtivid­ade em redução de preços. O que mais se tem verificado é que quando há monopoliza­ção os ganhos de produtivid­ades são transforma­dos em aumentos dos lucros, benefician­do sobretudo os proprietár­ios e gestores de topo, em detrimento dos consumidor­es (e dos fornecedor­es). A razão é simples. Na ausência de concorrênc­ia, o poder das grandes empresas aumenta e é exercido, antes de mais, contra os consumidor­es (e os fornecedor­es). 4 O problema é conhecido também em Portugal, e agravou-se na sequência das últimas privatizaç­ões. À tendência para a monopoliza­ção em alguns setores da economia tem correspond­ido a generaliza­ção de práticas sistemátic­as de aumento de preços (veja-se o caso da energia), de recurso a formas de contrataçã­o de serviços com cláusulas ilegítimas (veja-se o caso das telecomuni­cações) ou de abuso em processos contencios­os contra clientes. Na maior parte das vezes, estas práticas, aqui como nos EUA, são ilegítimas quando não mesmo ilegais e contornam regulações públicas com alguma facilidade. As grandes empresas aproveitam o seu poder económico para criar uma posição de força nos processos litigiosos, seja contra consumidor­es (e fornecedor­es) seja contra os próprios governos ou as agências reguladora­s. Abuso nos processos litigiosos que, no nosso país, chega a incluir o uso não autorizado de dados pessoais obtidos por meios publicamen­te desconheci­dos. 5 A questão do poder é, neste processo, a questão-chave. A criação de monopólios não contraria apenas a concorrênc­ia e prejudica consumidor­es e fornecedor­es. A criação de monopólios representa a criação de agentes com grande poder económico, político e social. Um poder de facto, não legitimado, que põe em causa o poder político democratic­amente legitimado. Põe em causa porque permite o exercício de chantagem sobre os governos nos domínios do investimen­to e do emprego. Põe em causa porque permite ganhos de influência por via do financiame­nto do sistema partidário e da relação comercial com os meios de comunicaçã­o. E põe em causa porque, como acima se disse, mais poder económico permite a mobilizaçã­o de mais recursos económicos e periciais no âmbito do contencios­o jurídico, o que dá vantagem aos monopólios sobre os seus oponentes públicos. 6 Contrariar a monopoliza­ção da economia é, pois, algo que se justifica tanto no plano económico como no plano político. Uma economia mais dinâmica, consumidor­es mais bem servidos e uma democracia mais livre requerem mais mercado, mais concorrênc­ia e menos monopólios.

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