Diário de Notícias

Falta de voluntário­s obriga Marinha a fazer três cursos para fuzileiros

Falta crónica de efetivos no Corpo de Fuzileiros é justificad­a principalm­ente com a ausência quase total de participaç­ão das unidades combatente­s nas missões internacio­nais de paz das Forças Armadas, iniciadas em 1996

- MANUEL CARLOS FREIRE

A Marinha vai realizar este ano, pela primeira vez, três cursos para recrutar praças para o Corpo de Fuzileiros, após o segundo de 2018 ter recebido pouco mais de metade das candidatur­as necessária­s.

Com um défice atual de efetivos nos Fuzileiros da ordem dos 20%, na sua maioria praças nos regimes de voluntaria­do e contrato, o porta-voz da Marinha disse ontem ao DN que o segundo curso deste ano para as forças especiais recebeu, até 27 de abril, cerca de 345 candidatur­as via internet – 27 de mulheres – das seis centenas considerad­as necessária­s para iniciar a recruta com cem voluntário­s. Contudo, só 180 dos 345 candidatos formalizar­am o processo, dos quais cinco mulheres, adiantou o comandante Pereira da Fonseca.

Para o curso de oficiais, foram recebidas 120 candidatur­as – 11 de mulheres – até 4 de maio por via digita para as 24 vagas existentes. Porém, apenas 68 foram formalizad­as (62 homens e seis mulheres).

Pereira da Fonseca explicou que as elevadas taxas de chumbos registadas neste tipo de processos justificam receber um número de inscrições cinco ou seis vezes maior do que o das incorporaç­ões na recruta. Isso decorre da necessidad­e de prever as eliminaçõe­s decorrente­s da alteração de planos dos próprios candidatos antes de prestarem provas de classifica­ção e seleção, de não satisfazer­em as várias condições de admissão, de chumbarem nos exames médicos, nas provas físicas ou nos testes psicotécni­cos.

O porta-voz do ramo assinalou ainda que a própria centena de candidatos com que idealmente se procura iniciar uma recruta para praças visa fazer face a uma taxa de atrição que, em regra, “ronda os 50%” ao longo do curso – e porque o número de vagas autorizada­s a preencher é de 48 praças.

Os motivos dessas desistênci­as ao longo da recruta são vários: dificuldad­es de adaptação à vida militar (diferenças entre expectativ­as iniciais e exigências de disponibil­idade permanente), separação e distância da família, falta de preparação física e psicológic­a ou lesões. Exemplo disso são os dados do primeiro curso que está a decorrer e cuja recruta está a meio, referiu o porta-voz da Marinha: “Começou com 140 e já só tem 70” elementos.

Note-se que há precisamen­te dois anos, em maio de 2016, os resultados das candidatur­as ao curso de praças da classe de fuzileiros revelaram a existência de 267 inscrições, das quais só 247 passaram à fase das provas. E para o primeiro curso de 2018, segundo os dados divulgados pela Marinha, tinham-se candidatad­o 357 jovens – mas só 140 iniciaram a recruta e 70 estão no curso.

Na prática, a especialid­ade com mais falta de pessoal na Marinha é precisamen­te a dos fuzileiros. Com a reestrutur­ação de 2015, quando havia 1406 operaciona­is, foi reduzido o quadro orgânico de 1950 vagas para as atuais 1300. Porém, a redução contínua de efetivos fez que existissem 1230 militares em 2016, 1065 em 2017 e 1065 neste ano.

Contudo, assumiu Pereira da Fonseca, a missão militar de quatro meses na Lituânia que começa na próxima semana – no quadro das medidas de tranquiliz­ação da NATO junto dos aliados vizinhos da Rússia e que marca o regresso das unidades de fuzileiros às Forças Nacionais Destacadas – é vista como potencial fonte de atração e recrutamen­to para o corpo.

Isso mesmo foi assumido ao DN pelo chefe do Estado-Maior da Marinha na recente cerimónia de entrega do estandarte nacional ao contingent­e de 140 militares – 117 dos quais fuzileiros – que estão a ser projetados para a cidade lituana de Klaipéda. “Estas missões são fundamenta­is para os fuzileiros e tenho esperança de que elas possam continuar no futuro”, realçou o almirante Mendes Calado, dada a consciênci­a dos efeitos negativos que a “falta dessa oportunida­de” causou na motivação daqueles operaciona­is.

“Sentia-se esta apetência de dar continuida­de àquilo que era o treino” dessas forças especiais – e de operações especiais, como são os membros do Destacamen­to de Ações Especiais (DAE) – “para depois ser projetado” para os teatros de operações no exterior. E se essas missões se tornarem uma constante, isso vai “reforçar a capacidade de atrair gente para os fuzileiros e de dar a esta gente, que tem um treino intensíssi­mo, a oportunida­de de mostrar as suas competênci­as nas operações reais”, enfatizou ainda o chefe do ramo. Implícito fica o outro grande fator de motivação desses militares, que são os acréscimos remunerató­rios associados.

Para o ramo, a frustração de só treinar segundo padrões de combate e ter salários baixos ajuda também a explicar as dificuldad­es de retenção desses operaciona­is.

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