Presidentes trocam sinais de fumo branco entre Lisboa e Luanda
Decisão judicial de enviar processo de Manuel Vicente para Luanda suscitou reservas de Ana Gomes e Francisco Louçã
Marcelo rejeita que a satisfação expressa sobre os efeitos da decisão judicial nas relações com Angola seja interferência no plano judicial
MANUEL CARLOS FREIRE Sinais políticos de desanuviamento das relações bilaterais entre Portugal e Angola marcaram o dia de ontem, na sequência da decisão judicial conhecida ao fim da tarde de quinta-feira de transferir o processo de Manuel Vicente para Luanda.
O chefe do Estado angolano, João Lourenço, telefonou logo de manhã ao seu homólogo, Marcelo Rebelo de Sousa, tendo ambos partilhado “a vontade de desenvolver a cooperação a todos os níveis” – a qual começa já segunda-feira, com a visita a Luanda do ministro da Defesa português, Azeredo Lopes.
Se Marcelo divulgou a sua posição na página online da Presidência, João Lourenço já tinha utilizado a rede social Twitter: “Felicitámo-nos pelo feliz desfecho do caso e reiterámos a vontade de seguir em frente com a cooperação entre os nossos dois países.”
Horas depois, o Presidente português não escapou, contudo, às reservas suscitadas pelo conselheiro de Estado Francisco Louçã. Em declarações à TSF, o antigo líder bloquista – como antes a eurodeputada Ana Gomes – destoara do tom geral de satisfação registada nas duas capitais ao manifestar estranheza com “tantos comentários sobre uma decisão judicial” por parte dos altos responsáveis de Portugal e Angola. “Não é muito comum”, acentuou Louçã.
Como “ninguém se imiscui numa decisão tomada”, porque “imiscuir é antes”, Marcelo Rebelo de Sousa rejeitou liminarmente que as suas palavras – como as do primeiro-ministro, António Costa, ou do chefe da diplomacia portuguesa, Augusto Santos Silva – possam ser interpretadas como uma interferência no setor judicial.
“Estão em causa centenas de milhares de pessoas, portugueses e angolanos. E, portanto, quando estão em causa centenas de milhares de pessoas, isso é tão forte, tão forte, tão forte, que é mais forte do que tudo”, sublinhou o Presidente, à margem de uma iniciativa na Baixa de Lisboa (ver página 15).
Já a eurodeputada socialista Ana Gomes qualificou a transferência para Angola do processo judicial sobre o antigo vice-presidente angolano – e alguns dos argumentos invocados pelo Tribunal da Relação de Lisboa – como “uma tremenda demissão da justiça portuguesa e uma tremenda derrota da justiça”.
Considerando “extraordinário que se possa arguir as condições para a melhor reinserção social e reabilitação da pessoa em causa como um dos argumentos para aceitar a transferência do processo para Angola”, Ana Gomes argumentou que a decisão judicial “não vai aliviar as relações entre Portugal e Angola”. No seu entendimento, a única coisa que pode aliviar as relações bilaterais “é que Portugal faça o que tem de fazer para não continuar a ser a lavandaria dos corruptos da cleptocracia em Angola”.
Em tom contrário falou o presidente do PSD, com Rui Rio a qualificar a decisão como muito positiva para as relações bilaterais. “É, obviamente, uma boa notícia para as relações entre Portugal e Angola. Temos de ter consciência, ao longo de todo este processo, que há uma real separação de poderes em Portugal e, portanto, o poder político não podia fazer nada, nem devia fazer nada, relativamente a isto”, afirmou ainda o líder dos sociais-democratas. Com Lusa