Comissão de inquérito. Bloco admite convocar ex-primeiros-ministros
Deputados vão averiguar a “existência de atos de corrupção” de responsáveis administrativos ou políticos. Comissão foi aprovada ontem
JOÃO PEDRO HENRIQUES A comissão parlamentar de inquérito que o Bloco de Esquerda propôs às relações entre os governos e a EDP foi ontem aprovada por unanimidade no Parlamento. Falando ao DN, o principal dinamizador da ideia, o deputado bloquista Jorge Costa, disse que o seu partido ainda está a fazer a lista das personalidades que quer ouvir.
Contudo, admitiu que, no campo governamental, as convocatórias poderão não se dirigir apenas a membros do governo com a tutela direta da EDP. Se for caso disso, o Bloco convocará ex-primeiros-ministros. O âmbito temporal da comissão vai de Durão Barroso (2002 -2004) ao atual chefe do governo, António Costa. Ou seja, inclui também Santana Lopes (2004-2005), José Sócrates (2005-2011) e Pedro Passos Coelho (2011-2015). Os chefes de governo e ex-chefes de governo têm a prerrogativa, perante as comissões de inquérito, de responder por escrito.
A comissão será presidida por um deputado do PSD, ainda não anunciado. O relator – a quem caberá elaborar o projeto de conclusões – será eleito e a sua escolha depende da maioria que se formar. Nesta legislatura têm sido do PS.
No debate que ontem antecedeu no Parlamento a aprovação do inquérito, Jorge Costa explicou que para lá da “velha necessidade” de perceber a natureza deste sistema de rendas excessivas (de que o setor energético beneficia), “a informação pública relativa às investigações em curso sobre a atuação do antigo ministro da Economia Manuel Pinho, constituído arguido num processo de favorecimento à EDP e mais tarde também no quadro de receção de uma mesada paga pelo BES, criou clamor por um esclarecimento cabal da forma como foram tomadas as decisões que lhe deram origem”.
Um dos objetos da comissão de inquérito – que tem duração prevista de quatro meses (descontando o tempo no verão em que a AR está fechada) –, aprovada no dia em que também se ficou a conhecer a OPA sobre a EDP (ver suplemento Dinheiro Vivo, páginas 8 e 9), é a “existência de atos de corrupção ou enriquecimento sem causa de responsáveis administrativos ou titulares de cargos políticos com influência ou poder na definição das rendas no setor energético”. Incidirá ainda na “dimensão dos pagamentos realizados e a realizar por efeito dos regimes em vigor” e o “efeito sobre os custos do sistema elétrico produzido pelas alterações legislativas e atos administrativos realizados no âmbito dos CMEC e dos CAE pelos governos entre 2004 e 2018”.
A única proposta de alteração ao objeto da comissão de inquérito que o BE rejeitou foi a do PCP, que queria que esta fosse alargada a todos os principais setores estratégicos da economia portuguesa, incidindo também nas parcerias público-privadas (PPP). O líder da bancada parlamentar comunista, João Oliveira, insistiu na necessidade de uma “avaliação mais abrangente” por parte desta comissão de inquérito, “a começar por outras decisões do ministro Manuel Pinho”, acusando o BE de ter recusado a possibilidade de o inquérito ir mais longe e, portanto, este ficar “limitado”. “Não se trata de fazer um escrutínio a três ou quatro décadas de governação, mas sim a encargos atuais que resultam de decisões tomadas no passado por outros governos, marcadas igualmente por processos de suspeita de corrupção, tráfico de influência, com grave lesão para o interesse público.” Pelo PSD, Paulo Rios de Oliveira sublinhou que a comissão de inquérito abrange 14 anos e “como diz o povo, quem muito abarca pouco aperta”.