Dois dedos de altura são um obstáculo. Marcelo foi ver como é
Circular na rua, ir a uma loja, entrar no metro. Pequenos gestos que são grandes obstáculos para muitos no dia-a-dia
Dois, três dedos de altura de um degrau, apenas isto – e é quanto basta para alguém que se desloca de cadeira de rodas ficar à porta, sem conseguir entrar, de um restaurante, de uma loja ou de um centro de saúde.
São estes pequenos grandes obstáculos, quase impercetíveis para muitos, que Salvador, Ricardo ou Luís experimentam todos os dias. E que ontem, juntamente com outros membros da Associação Salvador, quiseram mostrar ao Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa, num passeio de hora e meia pela Baixa de Lisboa, entre os Restauradores e a Rua de Santa Justa. O problema da mobilidade não são só estes degraus, que uma qualquer rampa ajuda a vencer. É o acesso a estações de metro, com elevadores avariados ou inexistentes, é a calçada ou paralelepípedos irregulares, são os lugares nas salas de espetáculos.
Nos 700 metros que separam o Hard Rock Café – ponto de encontro para o teste às acessibilidades na capital – e o Elevador de Santa Justa, todos estes exemplos saíram ao caminho do Presidente da República, sempre de braço dado com a secretária de Estado da Inclusão das Pessoas com Deficiência, Ana Sofia Antunes, e dos cinco cicerones da Associação Salvador, que nas suas cadeiras de rodas mostraram como é difícil a pessoas com mobilidade reduzida fazer uma vida normal.
Marcelo Rebelo de Sousa ouve as explicações do que está mal, do que funciona e do que se pode fazer. E o professor, que nunca perde o jeito, repete pedagogicamente aos jornalistas: a necessidade de aplicar a lei. Aquilo que o Metropolitano de Lisboa ainda não foi capaz. Junto a uma das bocas da estação dos Restauradores, dois responsáveis da empresa aguardavam a comitiva para explicar que o Metro da capital “está acima de qualquer metro europeu ao nível de acessibilidade das suas estações”.
À incredulidade dos presentes e perante o caso concreto de um jovem que não pode frequentar a universidade, por a estação não ter elevador, o diretor de clientes, Miguel Rodrigues, explicou que, de facto, as 56 estações não estão “completamente dotadas de elevadores e, portanto, com acessibilidade plena”. “Temos 38, neste momento. Temos um plano até 2020 de mais seis, entre elas, a Cidade Universitária, e até 2023 de mais oito. Portanto, até 2023 teremos 52 das 56 estações com acessibilidade plena.”
Marcelo lembrou que há quem se queixe das avarias constantes e Ricardo Teixeira, um dos que se desloca em cadeira de rodas, apontou-lhe o facto de a lei de 2006 ter dado dez anos para cumprimento do regime de acessibilidades. O dirigente do Metropolitano não desarmou, defendendo que “tem havido algumas exceções à própria lei, que têm permitido ao Metro apresentar este plano e ir cumprindo este plano”.
E completou a sua justificação: “As obras são complexas e, portanto, não é possível fazer todas as obras necessárias num espaço de tempo muito reduzido.”
“Sabe o que é que é complexo? Estar numa cadeira de rodas”, atirou-lhe Ricardo Teixeira, da Associação Salvador. “Foi uma má escolha de palavra”, reconheceu Miguel Rodrigues.
Ricardo Teixeira confessou ao DN que a necessidade aguçou o engenho que já existia: administrador de uma empresa de produção digital, “a frustração diária” de chegar a sítios e não poder entrar por não estarem adaptados para pessoas com mobilidade reduzida, fê-lo imaginar, juntamente com Salvador Mendes de Almeida, uma aplicação para facilitar as suas vidas (ver caixa). O Presidente da República gostou do que viu: “Chama-se cidadania, ser-se cidadão é isto. Olhar para problemas concretos e envolver todos na sua resolução.” E Ana Sofia Antunes também elogiou a iniciativa. “É excelente. Que as pessoas fiscalizem também a aplicação da lei.”
Salvador acrescentou: “Que sejam fiscais de espaços físicos, mas também de mentalidades.” Afinal, recordou aquele que um dia se viu tetraplégico, depois de um acidente de mota. “Nós não sabemos se vamos parar a uma cadeira de rodas.”