Do princípio ao fim da “Fleet Street portuguesa” nas ruas do Bairro Alto
Asurpresa está logo no início do livro, quando este O Bairro dos Jornais refere que o Bairro Alto “foi berço e morada de centenas de jornais”. Tantos? Sim, é verdade, e contar as suas histórias foi o objetivo desta investigação de Paulo Martins, que o prefácio de Appio Sottomayor descreve em poucas páginas e de um modo que abre o apetite para a leitura imediata de 400 páginas em que é retratada a “Fleet Street portuguesa”. O prefaciador elogia o volume e define-o como “uma espécie de Bíblia da Imprensa na sua pátria do Bairro Alto”, ou seja, volta a abrir o apetite para a sua leitura.
O Bairro dos Jornais, avisa logo o autor, não pretende ser uma história da imprensa, antes deseja contar estórias. Intenção que quando o tema é o dos jornais torna-se uma boa opção, pois além do noticiário puro e duro as histórias eram uma parte fundamental da imprensa escrita que ainda existe. “Eram”, pois o perfil dos jornais mudou intensamente nos últimos anos e, como Paulo Martins relata, das centenas de títulos que ali nasceram só permanece naquelas ruas A Bola. Mesmo que algumas das ruas, fixem até ao presente a existência de jornais como Diário de Notícias e O Século na sua toponímia.
A história, no entanto, perpassa em muito neste relato e o primeiro capítulo faz o enquadramento do nascimento do bairro da imprensa, recordando figuras como a do judeu Guedelha Palaçano, que era então proprietário daquelas terras mas já não as verá como espaço fundamental para o crescimento da cidade decidido por D. Manuel, cujas ruas por onde o perfil do Bairro Alto foi nascendo, em muito boémio e popular, sobrevivem na maior parte ao Terramoto de 1755. O retrato do povo desse bairro foi feito por vários repórteres entretanto, entre os quais Eduardo Fernandes, o Esculápio, que no século passado descrevia as suas aventuras amorosas com as “mulheres da vida” nestes termos: “Deitava-me sempre no dia seguinte e convivia com estúrdios e raparigas alegres.”
Outro dos fatores que levam os jornais a instalarem-se ali é a existência de uma alta concentração de gráficas porque, explica, “nos primeiros jornais o redator escrevia em casa” e era a gráfica o centro do processo. Com o aparecimento do Diário de Notícias em 1864, o seu sucesso catapulta a Tipografia Universal e outros títulos. Daí a citação do olisipógrafo Norberto de Araújo nas peregrinações por Lisboa: “Se fosse aludir, com pormenores, a todos os jornais que tem havido no Bairro Alto não nos chegava toda uma tarde de jornada, pois bem posso certificar que não há rua, que quase não há prédio, por onde não tivesse rumorejado a vida da imprensa.”
Após o desenho histórico do Bairro Alto, seguem-se os capítulos sobre a implantação da República, desta para o Estado Novo, deste para o Marcelismo, a Revolução de Abril e a atualidade. Como não cabe aqui toda a história contada no Bairro dos Jornais, o salto que se dá leva-nos ao subcapítulo “O Século não chega a festejar um século”, onde se atesta a morte de um dos principais jornais do bairro, que é em 1975 vítima da própria mudança política que tanto defendeu. Aliás, Paulo Martins cita uma frase de Diana Andringa que descreve na perfeição a situação no pós-25 de Abril: “O clima no Bairro Alto esfrangalhou-se completamente. Passou a ser um terreno de luta. Já não nos encontrávamos como amigos, chocávamos como adversários políticos.” Ou seja, o Bairro Alto deixou de ser a capital do papel impresso. Chegados ao fim, pode dizer-se que o conjunto de estórias faz bem o papel de história.
Um livro de estórias que acaba por fazer uma história das centenas de jornais que nasceram no Bairro Alto