Diário de Notícias

Concorre como independen­te, numa coligação liderada por Muqtada al-Sadr, clérigo famoso por resistir à invasão norte-americana

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Muntazer al-Zaidi esteve preso nove meses, sofreu torturas e maus-tratos, mas não se arrepende por ter atirado um sapato a George W. Bush em dezembro de 2008. O gesto que foi visto à escala global não é o último que o antigo jornalista quer em prol do Iraque. Como independen­te é candidato a deputado nas listas do partido do clérigo Muqtada al-Sadr nas eleições que se realizam hoje.

“A minha ambição é atirar todos os políticos ladrões para a prisão, fazê-los lamentar as suas ações e confiscar as suas riquezas”, disse à AFP. “Acredito que posso ajudar a recuperar o dinheiro de todos os iraquianos roubados pelos políticos e impedir que os saques continuem. Desviaram quase três mil milhões de dólares de fundos públicos que hoje estão nos seus bolsos”, sustentou, ao El Mundo.

A sua sanha contra os políticos estende-se ao ex-primeiro-ministro Nuri al-Maliki, que governou o país desde as primeiras eleições pós-Saddam Hussein, de 2006 a 2014. “Devia ter sido julgado pelo que fez. Durante o seu mandato perdemos um terço do país. O Daesh [Estado Islâmico] ocupou-o devido ao seu mau governo”, considera.

Zaidi concorre pela aliança Marcha pela Reforma. É um novo movimento político que reúne vários partidos seculares, um deles comunista. Outro que faz parte da coligação é o Istaqma, apoiado por Muqtada al-Sadr, clérigo que se tornou conhecido pelos seus apelos à resistênci­a contra a presença norte-americana. Agora os 34 deputados religiosos do partido dão lugar a candidatos tecnocrata­s e independen­tes, num movimento que acompanha a desradical­ização de Muqtada al-Sadr.

Decerto não alheio ao facto de concorrer como independen­te nas listas da nova formação, o antigo jornalista da cadeia televisiva Al-Baghdadia figura num lugar de difícil eleição. Zaidi diz que não foi fácil tomar a decisão de se candidatar, mas mostra-se esperançad­o nesta coligação. “Antes de ser religioso, Muqtada al-Sadr é

A agressão a George W. Bush de Zaidi; em cima, rodeado por uma multidão Foi por causa da invasão liderada por George W. Bush, em 2003, ao Iraque, que cinco anos mais tarde Muntazer al-Zaidi testou os reflexos ao presidente dos Estados Unido, durante uma conferênci­a de imprensa. Ao lado de Nuri al-Maliki, Bush esgueirou-se a tempo de não levar com o calçado do indignado jornalista, enquanto este gritava: “Aqui está o beijo de despedida do povo iraquiano, cão!”

Zaidi foi preso e condenado a três anos de prisão. Acabou por ser libertado ao fim de nove meses, mas o herói para muitos compatriot­as esteve três meses em solitária e diz ter sido “torturado sem descanso”.

Em liberdade, o iraquiano foi viver para o Líbano, onde se casou, foi pai e fundou uma organizaçã­o de auxílio aos órfãos iraquianos. Ainda em 2009, justificou o gesto, num texto publicado no The Guardian: “Mais de um milhão de mártires caíram diante das balas da ocupação e o Iraque agora está cheio de mais de cinco milhões de órfãos, um milhão de viúvas e centenas de milhares de mutilados. Muitos milhões estão sem abrigo dentro e fora do país.”

A única coisa de que Zaidi se arrepende naquele dia que mudou a sua vida, diz, foi “não ter mais um par de sapatos naquele momento”.

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