Diário de Notícias

Eleições antecipada­s em Timor vão devolver governo a Xanana

Dirigente histórico da resistênci­a à ocupação indonésia deve ser o grande vencedor do voto. Na campanha, defendeu “um rápido desenvolvi­mento económico” do país

- ABEL COELHO DE MORAIS

Os timorenses estão hoje a votar pela segunda vez em menos de um ano na tentativa de ultrapassa­r a crise política que se vive no país desde a tomada de posse do governo minoritári­o de Mari Alkatiri, da Fretilin, partido que ganhou por escassa margem as eleições legislativ­as de julho de 2017, tendo elegido 23 deputados.

Na sequência do voto, a Fretilin constituiu executivo com o Partido Democrátic­o (PD), numa coligação em que os dois partidos somaram 30 deputados num Parlamento de 65 eleitos, mas nunca conseguiu governar de forma efetiva. O CNRT, de Xanana Gusmão, segunda força mais votada em 2017 com 22 deputados, iniciou uma campanha de oposição sistemátic­a, que acabou por levar o presidente Francisco Guterres a dissolver o Parlamento no final de janeiro.

Os resultados só devem ser conhecidos segunda-feira de madrugada (hora portuguesa). Sem a realização de sondagens, especula-se em Díli qual poderá ser o desfecho, mas surge como cenário mais provável o regresso de Xanana à chefia do governo, onde já esteve entre agosto de 2007 e fevereiro de 2015. Entre 2002 e 2007 fora o primeiro presidente de Timor-Leste independen­te.

Os resultados do CNRT em julho de 2017, somados aos então obtidos pelo Partido de Libertação Popular (PLP), que elegeu oito deputados, mais os cinco do KHUNTO, virado para o eleitorado jovem, antecipam uma maioria absoluta para a coligação formada pelas três organizaçõ­es, a Aliança de Mudança para o Progresso (AMP). Tendo entrado no Parlamento pela primeira vez em 2017, o peso do KHUNTO pode ser decisivo para ampliar o resultado da AMP. Mais de 60% da população do país tem menos de 25 anos. Estão inscritos mais de 787 mil eleitores.

Xanana prometeu um “rápido desenvolvi­mento económico” e “trazer o petróleo para Timor-Leste”. O antigo presidente foi o principal negociador de um acordo com a Austrália sobre a fronteira marítima entre os dois países, assinado no início de março nas Nações Unidas. No acordo, a fronteira marítima comum ficou estabeleci­da ao longo da linha defendida por Díli, de forma a incluir o campo de produção petrolífer­a e de gás natural Greater Sunrise (Grande Nascente) no espaço de soberania de Timor-Leste. Camberra reivindica­va a definição da fronteira pelo limite da sua plataforma continenta­l e do tratado assinado em 1989, no período de ocupação indonésia de Timor-Leste.

Xanana tem defendido que o tratamento do gás natural e petróleo deve realizar-se em território timorense e não em território australian­o. O que teria vantagens em matéria de desenvolvi­mento para Timor-Leste. Não resolveria, contudo, aquele que é apontado como o principal problema económico do país: o excesso de dependênci­a da receita petrolífer­a. Tanto mais que se estima que as áreas em exploração estejam esgotadas no espaço de uma década e as verbas do fundo de investimen­to criado com a receita petrolífer­a estão a ser utilizadas a ritmo elevado. Até hoje, o país não conseguiu diversific­ar de forma consistent­e as fontes de receita. E a economia continua muito dependente da despesa pública e a corrupção é um problema sério. Noutro plano, apesar da grave crise política e da violência que se viveu entre 2006 e 2008 (a culminar nos atentados contra Ramos-Horta e Xanana em fevereiro de 2008), Timor-Leste apresenta um dos índices mais elevados de liberdade e democracia na Ásia. Em 2017, foi o mesmo o único país do Sudeste Asiático a receber a classifica­ção de “livre” da Freedom House.

A campanha decorreu sem incidentes graves, tendo uma ONG timorense, a Belun, contabiliz­ado 107 ocorrência­s, das quais apenas 20 considerou como violentos. Um dos incidentes mais sérios terá sucedido no passado fim de semana com confrontos entre apoiantes da Fretilin e do CNRT em Díli, em que foram incendiado­s vários veículos e 16 pessoas sofreram ferimentos.

Os partidos de oposição à Fretilin denunciara­m uma série de irregulari­dades envolvendo membros deste partido, mas o diretor-geral do Secretaria­do Técnico da Administra­ção Eleitoral, Acilino Manuel Branco, garantiu estarem reunidas condições para “uma eleição livre, justa e transparen­te”.

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Xanana Gusmão num comício em Díli da coligação que integra, a Aliança de Mudança para o Progresso
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