Diário de Notícias

Charles Tannock “Já estou a pensar na campanha do rejoin depois do brexit”

- SUSANA SALVADOR

O eurodeputa­do britânico, europeísta convicto, tem a noção de que dentro do Partido Conservado­r está cada vez mais isolado. Crítico da saída do Reino Unido da União Europeia (UE), Charles Tannock fez ontem um balanço do brexit num almoço-debate organizado em parceria entre o Internatio­nal Club of Portugal e a Eupportuni­ty. Ao DN, num português perfeito que fala desde criança por ter vivido em Portugal, falou dos desafios de um Reino Unido isolado e do futuro da UE.

No almoço-debate disse que considera o brexit um ato egoísta. Porquê? Porque não é só uma questão do futuro do Reino Unido.Vai também enfraquece­r e empobrecer o resto da UE. Porque geopolitic­amente ambos vão sofrer. O Reino Unido é a sexta economia global, então o PIB da UE vai diminuir. E o Sr. Vladimir Putin fica muito contente com isso. Em termos de segurança e defesa, o Reino Unido é membro do Conselho de Segurança das Nações Unidas, é um poder nuclear, tem um exército que é um dos melhores da Europa junto com o dos franceses. A União Europeia vai perder, mas o Reino Unido também. Por exemplo, como vimos agora recentemen­te, na questão do envenename­nto dos Skripal, a solidaried­ade foi ótima e fantástica no resto da Europa. À exceção de Portugal... Sim, Portugal foi um pouco uma desilusão nesse sentido, mas falo em termos globais. Na questão de Donald Trump e do protecioni­smo nas exportaçõe­s do aço, foi o bloco da UE que o convenceu a fazer uma isenção aos 28. Os japoneses, por exemplo, vão ter de pagar as tarifas. A massa crítica é importante na economia e nos tratados internacio­nais. Nós beneficiam­os de todos os 62 acordos de livre comércio e vai ser muito difícil renegociar com as mesmas regalias e privilégio­s. Portanto, não vejo como é possível haver um win/win. O brexit é destrutivo. E também é egoísta porque estamos a abandonar os nossos aliados mais próximos, como Portugal. Sem o Reino Unido, que peso terá a União Europeia face aos EUA e Rússia? O Reino Unido será mais fraco, estaremos mais isolados. Trump é uma figura que não se pode prever o que vai fazer. Mas, por exemplo, os EUA vão sair do tratado nuclear com o Irão e o Boris Johnson [chefe da diplomacia britânica] já disse que ficará mais perto da posição europeia dos 27. Estamos a alinhar-nos com a UE contra o nosso parceiro tradiciona­lmente mais próximo. Este é o paradoxo do brexit. Não há dúvida que para Putin é uma questão estratégic­a ser contra qualquer bloco que não é amigo dos governos autoritári­os, não democrátic­os que ele representa. Após mais de um ano de negociação de brexit, quem é que está a ganhar? Um dos problemas foi a ideia de que a UE precisa mais do Reino Unido do que este precisa da UE. Foi um grande erro. No início houve uma posição bastante hostil contra os 27. Falou-se, por exemplo, de os cidadãos europeus como moeda de troca e que podiam ir assobiar que não íamos pagar nada... Pouco a pouco o Reino Unido teve de fazer concessões e vai continuar a fazer. Haverá nos próximos meses um voto na Câmara dos Comuns e vamos ver se Theresa May consegue ir avante com o hard brexit que oficialmen­te ainda deseja. Eu acho que vai haver mais concessões. Quer dar um exemplo? É provável que faça concessões na livre circulação, porque a indústria precisa da mão-de-obra europeia, sem ela não há produtivid­ade. E os números de entradas estão a baixar rapidament­e. Em termos de demografia, não há um número ilimitado de polacos e portuguese­s que possam ir para o Reino Unido. Esse problema era temporário. Se o David Cameron tivesse feito o referendo dois anos mais tarde, quando a zona euro estava a crescer e os números da imigração teriam baixado, acho que teria tido outro resultado. O timing é tudo. E qual é o papel da oposição? Jeremy Corbyn é um extrema-esquerda antieurope­u, porque vê na UE um projeto capitalist­a de livre mercado, mas a grande maioria dos trabalhist­as são europeísta­s. A questão-chave nesse voto é saber quantos são os rebeldes do Partido Conservado­r. Não há muitos, mas são de grande convicção. Será que têm a coragem de votar contra o governo, correndo o risco de este cair e de haver um governo socialista do Corbyn? Isso mete muito medo aos conservado­res. E um autogolpe dos conservado­res que defendem um hard brexit para afastar May, caso esta faça concessões? Também é possível, mas é improvável. Não sei se têm o número suficiente para isso, mas não há dúvida que muitas destas pessoas são fanáticas e querem que a primeira-ministra imponha uma visão de divórcio total da Europa. Qual será o timing se quiserem afastar May internamen­te? Dois ou três meses. Os irlandeses já disseram que querem que esteja tudo despachado, ou pelo menos a questão da fronteira, na cimeira de outubro. A fronteira com a Irlanda tem implicaçõe­s no eventual acordo de livre comércio com os 27, que será concluído só na fase transitóri­a. Está tudo ligado, por isso acho que em outubro já saberemos melhor onde isto vai acabar. O Parlamento Europeu também terá de decidir em dezembro. Se não houver um acordo que garanta os direitos dos cidadãos europeus, acho que não vai apoiar isto. O receio dos nacionalis­mos na Europa parece não estar a concretiza­r-se... Há uma mensagem mista. Se Marine Le Pen tivesse ganhado em França, não há dúvida que teria sido o fim do projeto. Também houve bons resultados eleitorais do ponto de vista europeu na Holanda ou na Áustria. Temo o que está a suceder em Itália, com este possível governo entre o 5 Estrelas e a Liga Norte. A Liga é populista e antieurope­ísta. O 5 Estrelas nem tanto, são mais anticorrup­ção, reformista­s. Duvido muito que o Luigi de Maio aceite um referendo para sair da UE, mas talvez aceite um para sair do euro, o que também não é muito útil. Seria um desastre para a economia italiana. Seria um colapso como o grego. Isso significa que o projeto europeu não está em risco? Por enquanto não, mas nunca se deve dizer nunca. O projeto europeu surpreende sempre, consegue sempre reanimar-se. Mas não há dúvida de que não há nenhum Estado membro que vá seguir o caminho do Reino Unido, pelo menos por enquanto. Aliás, eu já estou a pensar na campanha do rejoin, depois do brexit, sobretudo com os jovens, para voltarmos a entrar na UE no futuro. Não sei se viverei suficiente­s anos para ver isso, mas espero que sim. Em relação a Portugal.Temos de estar preocupado­s? Acho que não haverá grandes efeitos económicos para Portugal. A maior exportação portuguesa são peças de automóvel. Se não houver acordo, vai ser um desastre, mas acho que vai haver um acordo como país terceiro e não haverá tarifas aduaneiras. No turismo, o problema é a queda da libra com a contração da economia, sendo mais caro para os ingleses virem cá passar férias. Esse efeito já se vê um bocadinho. Mas os laços que temos com Portugal são muito profundos e antigos. Há talvez 500 mil portuguese­s e lusodescen­dentes no Reino Unido. E estou muito otimista com uma sugestão que fiz, para que o Reino Unido se tornasse observador permanente perante a CPLP, a lusofonia. É possível que possa acontecer em julho.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Portugal