Diário de Notícias

Escola inimiga da família

- INÊS TEOTÓNIO PEREIRA ESCRITORA

Aescola tem um problema: só funciona com e para os bons alunos, ou seja, os que têm melhores classifica­ções. Os bons alunos podem não ser inteligent­es, curiosos ou dotados de qualquer criativida­de ou desembaraç­o – e até podem não saber atar os sapatos – mas se tiverem memória fotográfic­a são bons alunos. Percebe-se quem são os bons alunos nos primeiros anos de escolarida­de e não tem nada que ver com o desempenho dos professore­s, com os programas, com o número de alunos por turma, com os manuais. Zero. A variável determinan­te são as caracterís­ticas de cada um: o desempenho escolar é pré-escolar, nasce com eles. Se as letras fazem sentido nas suas cabecinhas, se forem dotados de uma boa memória e se não tiverem dificuldad­e em perceber uma conta de dividir, serão bons alunos. E daqui nasce o brio: um miúdo que gosta de fazer as coisas bem feitas está facilmente entre os melhores. Com o brio chegam os resultados, com os resultados a competição e com a competição a autoexigên­cia. A escola é um pormenor: estes miúdos são bons alunos em qualquer parte do mundo e apesar de qualquer escola, ministro ou professor. Podem chegar ao fim da escolarida­de sem saber estrelar um ovo ou sem terem lido um livro fora dos obrigatóri­os, mas serão certamente os melhores. E a escola só sabe lidar com estes. Com todos os outros, com aqueles que tendencial­mente não seguem a linha do óbvio, que têm dificuldad­e em decorar, que desenham nos cadernos, que rezam para passar incógnitos e que se concentram a imaginar, esses, estão fritos. A escola não sabe o que fazer com eles. Não é por mal, mas não sabe mesmo. O nosso sistema não sabe transforma­r um mau aluno num aluno médio e um aluno médio num bom aluno. Não tem tempo, não tem pedagogia, está soterrada em burocracia, está refém dos maus professore­s – é irrelevant­e os professore­s serem bons ou maus –, vive no sobressalt­o com as alterações nos currículos, metas e manuais. A nossa escola está cansada, farta do “agora é que é”. O resultado é que hoje a escola é um dos principais senão o principal fator desestabil­izador das famílias: um miúdo considerad­o mau aluno pela escola corre o risco de ser considerad­o mau filho pelos pais. E esta é a maior tragédia do nosso sistema educativo: os efeitos desastroso­s que a falta de resposta da escola tem nas famílias e na confiança dos nossos filhos. A culpa também é nossa, dos pais? Seria, se não fosse obrigação da escola adaptar-se à realidade das famílias em vez de serem as famílias a terem a obrigação de se ajustar à esquizofre­nia do nosso sistema educativo. A escola pode ser uma coisa boa para todos e não um pesadelo para a maioria.

O nosso sistema não sabe transforma­r um mau aluno num aluno médio e um aluno médio num bom aluno

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