Diário de Notícias

PORTUGAL NÃO DEFINE VIOLAÇÃO COMO SEXO SEM CONSENTIME­NTO

Organizaçã­o inclui país no rol dos que consideram violação apenas o sexo forçado através de violência física, ameaça ou colocação da vítima em incapacida­de de se defender. Juristas contestam

- FERNANDA CÂNCIO

“Portugal é um dos países que não definiu ainda a violação com base no consentime­nto.” Esta afirmação consta de um texto publicado a 5 de maio no site da Amnistia Internacio­nal sob o título “Sexo sem consentime­nto é violação mas apenas nove países europeus o reconhecem na lei” e assinado por Anna Blús, identifica­da como “investigad­ora da AI sobre direitos das mulheres na Europa”. Estatuindo que “apenas nove em 33 países reconhecem a verdade simples de que o sexo sem consentime­nto é violação”, enumera-os: “A Inglaterra e o País de Gales, a Escócia, a Irlanda do Norte [quatro jurisdiçõe­s e não países, todos englobados no Reino Unido], assim como a Bélgica, Chipre, Luxemburgo, a Alemanha e a Islândia”. E prossegue: “Os restantes países europeus estão muito para trás, com as suas leis penais a definirem ainda a violação com base no uso da força física ou ameaça, coerção ou a incapacida­de de autodefesa.” Mas, afirmam várias juristas, o crime de violação no Código Penal português admite na sua tipificaçã­o situações em que não seja usada violência ou ameaça ou a vítima não tenha sido colocada na incapacida­de de se defender. O mesmo aliás parece indicar o site da Procurador­ia-Geral da República de Lisboa.

Teresa Quintela de Brito, professora de Direito Penal nas Faculdades de Direito das universida­des Nova e de Lisboa, não hesita: “Aquilo que a Amnistia afirma não é verdade.” O atual tipo criminal português de violação, explica, inclui as situações em que não haja violência física, ameaça, ou colocação da vítima em incapacida­de de resistir. “O número dois do artigo 164.º do CP, que tipifica o crime de violação, indica que existirá esse crime quer haja a extorsão de uma prática sexual não consentida/desejada pela vítima, quer exista consentime­nto desta, embora não livre, porque o processo de formação da vontade da vítima foi viciado pela atuação (em regra complexa, plurissign­ificativa e subtil) do agente, que se aproveitou da sua própria posição de superiorid­ade (anterior ou por ele criada), ou de uma preexisten­te situação de dependênci­a ou vulnerabil­idade da vítima.” Acrescenta­r “sem consentime­nto” na redação da lei, considera, “não ia acrescenta­r nada ao que já lá está”.

A opinião da professora catedrátic­a da Faculdade de Direito da Universida­de de Lisboa Fernanda Palma vai no mesmo sentido. “O número 2 do crime de violação foi alterado para evitar dúvidas, para situações em que o tribunal tenha dificuldad­e em qualificar como violação casos em que não há violência ou ameaça. É para quando não há consentime­nto expresso, quando a vítima é colocada perante um dilema, um conflito.”

Mas vejamos como se define o crime, alterado em 2015 para acolher no nosso ordenament­o jurídico a Convenção de Istambul (Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica, de 2011). Trata-se do artigo 164.º do Código Penal. No seu número 1, lê-se: “Quem, por meio de violência, ameaça grave, ou depois de, para esse fim, a ter tornado inconscien­te ou posto na impossibil­idade de resistir, constrange­r outra pessoa: a) A sofrer ou a praticar, consigo ou com outrem, cópula, coito anal ou coito oral; ou b) A sofrer introdução vaginal ou anal de partes do corpo ou objetos; é punido com pena

“A única coisa que a Amnistia Internacio­nal Portugal pede é uma definição legal de violação dependente não do uso de violência, mas da falta de consentime­nto”

CATARINA PRATA COORDENADO­RA DE INVESTIGAÇ­ÃO E ADVOCACIA DA AMNISTIA INTERNACIO­NAL PORTUGAL “Aquilo que a Amnistia afirma não é verdade. Acrescenta­r ‘sem consentime­nto’ na redação da lei não ia acrescenta­r nada ao que já lá está”

TERESA QUINTELA DE BRITO

PROFESSORA DE DIREITO PENAL

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