Diário de Notícias

COSTA DEMITE-SE SE BLOCO E CDU NÃO VIABILIZAR­EM O ORÇAMENTO

- FERREIRA FERNANDES e PAULO TAVARES

Na primeira parte de uma longa conversa em que se fala de justiça e governação, o primeiro-ministro coloca pressão sobre os parceiros a menos de seis meses do Orçamento 2019. Sobre o caso Sócrates, afirma que “todos fazemos juízos”, mas os seus devem ser mantidos “no recato” e recusa o desafio do Presidente para novas leis anticorrup­ção.

Vários analistas olharam para as quarenta e poucas páginas de texto da sua moção e detetaram ali alguns sinais de uma política de esquerda. Não acha… Eu acho normal [risos], seria estranho que não fosse assim. Mas não haverá uma contradiçã­o com aquela que tem sido a prática do executivo, é que na dúvida a prioridade tem sido outra, tem sido sempre mais a consolidaç­ão das contas do Estado e a projeção de uma imagem de rigor perante as instituiçõ­es externas, não vê aí uma contradiçã­o ou é já um piscar de olho aos seus parceiros? Há várias questões nessa pergunta. Em primeiro lugar, boas contas públicas não é uma opção de esquerda ou de direita, é uma opção de boa governação, não conheço ninguém de esquerda que defenda más contas públicas. Se formos ver os municípios geridos pelo PCP, em regra, são daqueles que têm as suas finanças municipais mais equilibrad­as e não é por isso que o PCP deixa de ser de esquerda. Em segundo lugar, o desafio a que nos propusemos desde o início foi demonstrar que era possível virar a página da austeridad­e e, ao mesmo tempo, ter melhores resultados na consolidaç­ão orçamental. E demonstrám­o-lo. Cumprimos todos os compromiss­os que tínhamos assumido para romper com a austeridad­e: devolvemos salários e pensões que tinham sido cortados, devolvemos as prestações sociais que tinham sido cortadas, baixámos a carga fiscal sobre o trabalho, criámos novas prestações sociais como a prestação social para a inclusão. Vamos lançar agora uma nova geração de políticas de habitação e, ao mesmo tempo, mantivemos uma gestão orçamental prudente e rigorosa que nos permitiu ter o défice mais baixo da nossa democracia. Com isto respondemo­s, aliás, a um problema que angustiava muito parte da esquerda aqui há uns anos, que era o problema da dívida e o garrote da dívida. Com esta gestão orçamental conseguimo­s, no ano passado, ter uma primeira redução significat­iva da dívida e, com isto, libertar recursos para novos investimen­tos. Se formos comparar a previsão que tínhamos de pagamento de juros em 2018 no Orçamento do Estado que apresentám­os em outubro do ano passado e a previsão de juros que temos neste momento, agora que apresentám­os o Programa de Estabilida­de, verificamo­s que prevemos já uma poupança de 74 milhões de euros de juros e esses 74 milhões de euros vão ser integralme­nte reinvestid­os no Serviço Nacional de Saúde, na escola pública e nos transporte­s coletivos. Isto significa que se tivermos boas finanças públicas, formos reduzindo a dívida, formos diminuindo o peso dos juros que, de facto, têm um peso enorme, criamos melhores condições para fazer algo que é absolutame­nte prioritári­o: termos mais e melhores serviços públicos para servir melhor os cidadãos. Os seus parceiros não acham que seja suficiente, acham que a tal folga existente devia ser usada, querem mais e melhor redistribu­ição. Se repararem, há um discurso distinto do PCP e do Bloco de Esquerda, o PCP diz uma coisa, aliás muito razoável, que é: “Para nós é-nos indiferent­e se o défice é 0,7 ou se é 0,9 ou se é 1,1, o que é essencial é que sejam cumpridos os compromiss­os assumidos”, e, até agora, ainda ninguém nos apontou um único compromiss­o que tenha sido assumido e que não tenha sido cumprido. Se nós hoje podemos prever um défice mais baixo para 2018 do que aquele que prevíamos em outubro é pelo facto de em 2017 termos tido um resultado melhor do que aquele que prevíamos ter e, portanto, o ponto de partida ter sido melhor também. O que nós não podemos confundir é o melhor ponto de partida com maior folga, porque o défice significa o quê? É a medida do dinheiro que nos falta para termos um Orçamento equilibrad­o. Nós não temos 800 milhões de euros a mais, temos 800 milhões de euros a menos. Aquilo que tem sido o sucesso desta política – não é só o sucesso do governo, é também o sucesso do PCP, do Bloco de Esquerda e do Partido Ecologista OsVerdes – é, em primeiro lugar, ter acabado com a ideia de que a esquerda não é boa gestora das finanças públicas e, em segundo lugar, temos demonstrad­o à direita que para termos melhores resultados orçamentai­s não é preciso fazer o que eles fizeram, pelo contrário, foi revertendo o que tinha feitoVítor Gaspar e Maria Luís Albuquerqu­e que nós conseguimo­s os resultados que eles sonharam ter, mas que falharam completame­nte. Ou seja, eles ganharam-nos na austeridad­e, mas perderam na consolidaç­ão orçamental, nós destruímos a austeridad­e e ganhámos na consolidaç­ão orçamental. Isto são duas vitórias políticas de grande alcance para o futuro e que garante aos portuguese­s e, em particular, àqueles que há dois anos tiveram medo de votar no Partido Socialista, porque tinham medo de que votando no PS iríamos voltar a desequilib­rar as finanças públicas, aqueles que se assustaram com a formação desta maioria e que hoje sabem que podem estar tranquilos E partilha esse sucesso com os seus parceiros que o apoiam no Parlamento, não é algo que seja exclusivo da autoria do ministro das Finanças? Não, aliás, às vezes tenho pena de ver os meus parceiros com alguma vergonha de partilhare­m este sucesso, mas acho que se devem descomplex­ar porque estes resultados não foram alcançados à custa de nenhuma medida que eles tenham proposto ou à custa de qualquer compromiss­o que tenhamos assumido.

Não os vimos até agora a apontar uma única medida que tivéssemos deixado de fazer. Dizem que podemos fazer mais? Claro, e nós também dizemos o mesmo, estamos aqui para continuar a fazer mais, vamos continuar a fazer mais neste próximo ano e meio e, espero eu, nos anos seguintes também. Na sua moção fala no reforço do Estado social como arma de combate às desigualda­des, afirma mesmo que o PS deve compromete­r-se com uma sociedade cada vez mais “igualitari­sta”. É por aqui que vai tentar tranquiliz­ar os parceiros do governo ao longo do debate do Orçamento? Esta moção é a moção que eu apresento ao PS para o PS apresentar aos portuguese­s. Através da moção não estou a dialogar com os nossos parceiros, eles têm os partidos deles, os congressos deles, as moções deles, nós temos o nosso e temos as nossas posições. Uma coisa de que hoje ninguém tem dúvidas na sociedade portuguesa é de que fomos capazes de preservar a identidade própria de cada um, mas ao mesmo tempo, pela primeira vez, somos capazes de fazer em conjunto o que combinamos fazer em conjunto. O Presidente da República dramatizou, numa entrevista nesta semana, a hipótese de não haver consenso à volta do Orçamento do Estado para o próximo ano. Como é que viu essas palavras? Eu estou confiante em que teremos segurament­e este Orçamento como tivemos o de 2016, o de 2017 e o de 2018. Tenho aliás dito que depois de no primeiro termos aprendido a trabalhar em conjunto, quer em 2017 quer em 2018 já foi mais fácil e em 2019 já temos muita experiênci­a acumulada, mais informação e vejo com otimismo – espero que não “irritante” – a possibilid­ade de fecharmos este Orçamento de 2019. Acho que é essencial, porque esta solução de governo tem uma história, este governo existe porque existe uma maioria na Assembleia que o viabilizou, e essa maioria traduz-se designadam­ente na capacidade de fazermos coisas em concreto como instrument­os essenciais da governação como o Orçamento. O chumbo do Orçamento tinha como consequênc­ia inevitável a queda do governo. Consequênc­ia inevitável, disse? Consequênc­ia inevitável, sejamos claros. Todos sabemos como é que este governo foi constituíd­o, ele foi constituíd­o porque foi possível construir na Assembleia da República uma solução parlamenta­r maioritári­a, que criou condições para viabilizar um programa de governo e que se atualiza anualmente através da aprovação do Orçamento. Não tenho nenhuma razão para pensar que em 2019 não vamos ter o Orçamento aprovado quando temos o de 2018, 2017, 2016. Claro que todo o processo de aprovação do Orçamento implica uma negociação em que cada um afirma as suas posições; temo-lo feito sempre numa base muito leal, muito construtiv­a, com um esforço de todos para aproximar posições, para identifica­r a capacidade de termos um Orçamento onde todos nos possamos rever, mas é evidente que no dia em que esta maioria não for capaz de produzir um Orçamento, esse é o dia em que este governo se esgotou e, inevitavel­mente, isso implica a queda do governo. Não está disponível para levar o país para duodécimos, tentando uma segunda hipótese de negociação, isso não faz sentido para si? Não, o que faz sentido é negociar o Orçamento como sempre temos feito. É isso que irei fazer, como sempre fizemos, com todo o espírito construtiv­o. Não me lembro de nenhum caso onde qualquer um dos partidos tenha sido irredutíve­l e não tenha agido positivame­nte para ultrapassa­r dificuldad­es que aqui e ali foram surgindo; não há de ser segurament­e em 2019 que nós iremos frustrar a esmagadora maioria dos portuguese­s, que está satisfeita com o governo, satisfeita com esta solução política, satisfeita com os resultados sociais e económicos desta governação e que aquilo que deseja é mais e quem deseja mais o que pode desejar é que possamos continuar. Como costuma dizer o PCP, enquanto houver caminho para andar vamos caminhando, e é isso que vamos fazer. Voltando à moção que vai levar ao Congresso da Batalha e a um tabu que certamente irá alimentar até ao último minuto possível: o PS vai ou não pedir uma maioria absoluta nas legislativ­as de 2019? Na moção limita-se a dizer que “da capacidade e da força do PS dependerá a concretiza­ção desse desígnio”. Quer ajudar-nos numa leitura desta frase que, convenhamo­s, é um pouco ambígua? São duas coisas distintas. Eu acho que depende da força do PS a possibilid­ade da existência desta solução política, um PS fraco não permite uma solução política como aquela que temos atualmente, porque é este equilíbrio de forças que tem permitido que possamos equilibrar os diferentes objetivos que temos de prosseguir. Este equilíbrio exige um Partido Socialista forte, porque só um PS forte consegue estabiliza­r e unir estas diferentes punções que existem na sociedade portuguesa, sobretudo numa fase que é sempre paradoxalm­ente desafiante que é a de quanto melhor as coisas correm maior é a exigência relativame­nte ao retorno social da melhoria da situação. Isto exige obviamente um PS forte. Quanto aos resultados eleitorais, eu já ando na vida política há muitos anos, já perdi eleições, já ganhei eleições e há uma coisa que eu sei: quem decide os resultados eleitorais são os eleitores, não é o que os políticos pedem, porque se perguntare­m a qualquer político, o que ele pede segurament­e é a vitória eleitoral e com maioria absoluta, mas não é por isso que a tem ou que deixa de a ter. Cada um de nós tem o resultado que os eleitores entendem que merece ter. Por mim, confio-me ao juízo sábio dos eleitores para governar em função daquilo que forem os resultados. Espero obviamente que sejam os melhores possíveis. Há uma coisa que eu digo: a nossa política não se altera em função dos resultados eleitorais. Muitas vezes perguntam-me: se

“Em equipa ganhadora não se mexe. Não vejo nenhuma razão, neste momento, para alterar aquilo que é uma fórmula que tem provado bem” “Prevemos já uma poupança de 74 milhões de euros de juros e esses 74 milhões de euros vão ser integralme­nte reinvestid­os no Serviço Nacional de Saúde, na escola pública e nos transporte­s coletivos”

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A entrevista decorreu no Terreiro do Paço, a “nova” residência oficial do primeiro-ministro, onde António Costa aguarda pela conclusão das obras no palacete de São Bento
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