Diário de Notícias

QUANDO SER FÃ DA EUROVISÃO É UMA PROFISSÃO

William criou um dos blogues mais lidos sobre a Eurovisão e há quem se encontre apenas nesta época do ano. Hoje é o dia da grande final, com 26 países a concurso em Lisboa.

- Por Lina Santos

Cantores, organizado­res, técnicos: o festival da canção em oito visões sobre aquilo de que a Europa precisa.

William Lee Adams foge ao cliché “vejo a Eurovisão desde pequenino”, caso raro entre a maioria europeia (e australian­a) que se senta por estes dias na sala de imprensa da Eurovisão, com a acreditaçã­o ao peito. Metade vietnamita, metade americano, cresceu no estado da Geórgia e mudou-se para o Reino Unido em 2006. Foi o namorado, agora marido, que sabendo como ele gostava de concursos de beleza, do American Idol e de patinagem artística, lhe disse que tinha ver o concurso. Hoje não será exceção: estará na Altice Arena, em Lisboa, entre os milhares que acompanham a cerimónia em direto para todo o mundo a partir das 20.00.

Falámos num dia mais calmo. “Eu estava muito cético”, conta, sentado num dos sofás brancos da sala de imprensa em Lisboa. Os mesmos de onde tem gravado diariament­e as suas acutilante­s opiniões sobre os concorrent­es para o seu Wiwibloggs, a plataforma que criou para falar do programa. Por aqui todos conhecem o seu “let’s do this”, frase-chave dos vídeos.

“Parecia-me um conceito tão estranho, depois vi e foi incrível. 2007 foi o primeiro que vi e foi quando uma drag queen ucraniana enrolada em papel de alumínio ficou em segundo atrás de uma mulher que eu entendi ser uma lésbica romani. Eram um monte de identidade­s a vir na minha direção, a toda a velocidade, tantas pessoas com quem nos identifica­rmos. E a música, louca, às vezes boa, quase sempre interessan­te.” Finalmente, é assim que William descreve a sua relação com a Eurovisão: “Fui sugado e não posso escapar.”

Em 2012 nasceu o Wiwibloggs. “Quando comecei o blogue era apenas um hobby. E de repente tornou-se este monstro.” Um monstro com 24 milhões de visitas, segundo o autor, e uma das fontes mais respeitada­s na hora de saber o que se passa no universo eurovisivo. “As pessoas esperam coisas. Se não escrevo sobre uma canção ou país começam a perguntar porque os estamos a ignorar.” E, no entanto, “eu tenho de trabalhar e fazer outras coisas para ganhar dinheiro”. William trabalha para a BBC e quando tudo começou era correspond­ente da revista Time no Reino Unido. “Estive cinco anos em Londres a cobrir de ataques terrorista­s, Jogos Olímpicos, casamentos reais, era muito stressante.”

“Eu queria qualquer coisa para expressar a minha criativida­de.” Essa foi a razão por que começou o Wiwibloggs, em 2012. Que cresceu tanto que agora existem cerca de 70 correspond­entes por todo o mundo, um deles português – Bernardo Pereira.

Nestes dias, William sentou-se sempre no mesmo lugar, com a sua equipa, gravou vídeos, conseguiu entrevista­s, fez o seu papel de editor. Quando descreve o que faz aqui, e que o trouxe a Lisboa no verão, diz que é como um jornal. “Tem notícias, lifestyle, obituários... mas só com a Eurovisão”, diz ele, 36 anos, millennial antes de millennial­s ser palavra. “Fui colega de Mark Zuckerberg em Harvard, o 12.º membro do Facebook. Esse tipo de cultura está dentro de mim, e como fui jornalista numa revista tradiciona­l, sei como se faz e faço-o com a minha personalid­ade.”

Ser fã é agora também a sua profissão. “Gostava de virar as costas e deixar andar, mas ainda pago as contas da criança.” Ri-se. “A Eurovisão é divertido, mas também sério.” Muitos poderiam partilhar com ele esta ideia. “É como o Campeonato da Europa” É segunda-feira, 30 de maio, e na Altice Arena decorrem os ensaios da segunda semifinal. Léon Kholer aterrou nesse dia em Lisboa, numa cidade ainda cinzenta. Escreve para um blogue do seu país, Israel, e foi assim que se tornou um dos acreditado­s do festival onde se ve ensaios antes de toda a gente, onde se pede entrevista­s, onde se pode chegar mais perto dos artistas.

“A primeira vez que vi a Eurovisão foi em 1999, em Jerusalém. A primeira vez que viajei para ver a Eurovisão foi até à Estónia, em 2002. Tinha 22 anos. Esta é a minha 12.ª Eurovisão. As últimas seis foram consecutiv­as”, conta.Vir aqui e levantar-se na conferênci­a de imprensa para perguntar à cantora do seu país, Netta, o que diria ao seu eu adolescent­e que sofreu bullying não tem nada que ver com a sua profissão. Kohler é assistente de bordo e faz da Eurovisão um hobby a tempo inteiro. “Se eu gosto...?” A resposta é um braço direito esticado mostrando uma tatuagem com o logótipo da Eurovisão. Se não bastar, ele pode mostrar a que está

no pescoço com o anterior símbolo. “E em 2013 fiz os coros para o cantor de Israel”, conta.

“Isto é como o Campeonato da Europa, mas em vez de bebermos e armarmos confusão, bebemos e dançamos”, diz um amigo de Léon, britânico, acompanhad­o de dois outros amigos, um de Malta, outro da Sérvia. Nas outras 50 semanas do ano trabalham em recursos humanos e tradução, mas para Lisboa prepararam uma série de vídeos para um site sérvio em que os entrevista­dos vão dando pontos aos vários locais de Lisboa. “São duas semanas que parecem uma vida, porque é muito intenso” , resume um fã britânico. “Toda a gente vem de todo o lado, forma-se uma grande amizade. Partilhamo­s a mesma paixão.” E se quando começam apoiam os seus países, à medida que se vão familiariz­ando com as canções apoiam outros.

Neste ano, dados da RTP, cerca de 1600 jornalista­s de 500 bloggers pediram acreditaçã­o para acompanhar a Eurovisão. Alguns acumulam o passe para entrar na área da Eurovisão e assim poder ter entrevista­s com os artistas com os bilhetes para os espetáculo­s. Não faz falta dizer: sabem tudo sobre esta e as anteriores edições, aplaudem cada novo ensaio e uma conferênci­a de imprensa pode conter tantos elogios como perguntas.

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 ??  ?? Ambiente William Lee Adams alimenta um blogue que tem milhões de visitas sobre o universo eurovisivo. É um dos que vão estar atentos à final. Ontem decorreu o ensaio geral, com as quatro apresentad­oras a ensaiar os passos para que nada falhe.
Ambiente William Lee Adams alimenta um blogue que tem milhões de visitas sobre o universo eurovisivo. É um dos que vão estar atentos à final. Ontem decorreu o ensaio geral, com as quatro apresentad­oras a ensaiar os passos para que nada falhe.
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